A Renúncia de Bento XVI

            Hoje, às 11h00 de Roma, um ato comoveu a estrutura do orbe. Não foi um terremoto, e menos ainda algum movimento telúrico a mais para os atuais recordes; um Papa dá um último olhar para a grei do Senhor. 

A Sala Clementina no Vaticano foi o cenário que serviu de moldura para a despedida que Bento XVI escolheu dar aos príncipes da Igreja, ou seja; os Cardeais. As lágrimas de saudades correram na face de todos quando, Sua Santidade cumprimentava os mais altos purpurados do mundo, seus mais próximos filhos.

            Mais tarde, às 17h00, o sucessor de Pedro se transferirá a Castel Gandolfo e depois, às 20h00 a Sede estará vacante. 

            O que dizer sobre todo o Pontificado de Bento XVI?

Sem dúvida, seu governo se caracterizou, do ponto de vista humano, por uma atitude discreta e despretensiosa muito bem expressa nas palavras iniciais do seu Pontificado: “Os Senhores Cardeais elegeram-me, simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor. Consola-me saber que o Senhor sabe trabalhar e agir também com instrumentos insuficientes. E, sobretudo, recomendo-me às vossas orações”.[1]

Com efeito, esses quase oito anos de Papado foram marcados também pelo temperamento reflexivo, lógico e coerente de Joseph Ratzinger, sempre propício a uma análise serena e profunda, sem fugir dos problemas mais complexos da realidade contemporânea. Tarefa não fácil, pois nosso século tende a pragmatizar a sociedade, materializando o espírito da opinião pública incitando-a de várias formas a abandonar a via do sobrenatural e, em última análise, a busca da santidade, atirando-a no abismo do egocentrismo.

O ser humano tem sede do infinito, e continuamente busca a felicidade através dos valores que se lhe apresentam diante dos olhos. O Papa Beato João Paulo II a este respeito comenta na Encíclica Fides et Ratio, a necessidade de que os valores escolhidos e procurados na vida sejam verdadeiros, porque só estes é que podem aperfeiçoar a pessoa, realizando a sua natureza. “Não é fechando‑se em si mesmo que o homem encontra esta verdade dos valores, mas abrindo‑se para a receber mesmo de dimensões que o transcendem. Esta é uma condição necessária para que cada um se torne ele mesmo e cresça como pessoa adulta e madura”.[2]

Tendo isso posto, vemos que todos puderam comprovar a “maturidade espiritual” que Bento XVI sempre comunicou ao mundo, com seu olhar sempre voltado para o sobrenatural e não obstante, apontando a férula papal para o Céu, especialmente nos momentos em que a barca de Pedro navegava por águas mais revoltas.

Pôr de lado tais aspectos seria o mesmo que ter uma visão tacanha – sem a célebre Weltanschauung[3] tão almejada e comentada nos meios filosóficos – desorientada, dando margem a comentários frívolos, injustos ou fantasiosos, pois, antes de tudo deve-se considerar que o Espírito Santo sempre assiste de maneira especial ao Vigário de Cristo em todas as circunstâncias.

Afinal de contas, ser católico é ser universal no sentido lato da palavra, ou seja, ser “segundo a integridade”[4] da Igreja. E, sendo assim, não se pode fraccionar uma realidade, enaltecendo um ponto e diminuindo outro.

De qualquer forma, o que vier a acontecer no Corpo Místico de Cristo, nunca abalará a alma de quem tem os olhos postos naquele que porta as chaves do Céu. Devemos ser sempre uma chama viva de amor pelo Sucessor de Pedro.

Disso nos dá exemplo um grupo de jovens católicos que lançou uma campanha para lograr o aplauso mais longo da história em honra ao Papa Bento XVI. Segundo consta, a iniciativa procura agradecer ao Santo Padre pelo labor desempenhado durante seus anos de Pontificado com um aplauso que proceda dos cinco continentes.[5]

Contudo, todos sabem que o mundo continuamente caminha para o bem ou para o mal. Qual é a atitude a ser tomada em relação a este novo panorama? O fundador dos Arautos do Evangelho, Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias comenta a propósito do Evangelho da Procissão de Ramos: “Não temamos o que nos possa advir, certos de que, como diz São Paulo, ‘todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, seguindo seus desígnios’ (Rm 8, 28). Avancemos, pois, seguros, com os olhos fixos n’Aquele que ‘se manifestou para destruir as obras do demônio’ (I Jo, 3, 8), pois quem é o diabo perto de Nosso Senhor?”[6]

Dessa forma, vemos como o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo nos deu o exemplo, manifestando seu poder, fazendo a cruz que era símbolo de ignomínia brilhar nas coroas dos reis, triunfando outrora contra as aparências de derrota triunfará de novo restabelecendo a verdadeira ordem.

Assim, finalizamos o pensamento, fazendo nossas as palavras do autor sagrado: “No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra” (Sl 129, 5). E porque não dizer: “Na Senhora ponho minha esperança”… Sim, Maria Santíssima, que a justo título é chamada Stela Maris – a Estrela do Mar – Ela nos dará o rumo, iluminando nossos passos, acompanhando sempre a nós e ao Vigário de seu Filho, o Santo Padre o Papa.

“Na alegria do Senhor ressuscitado, confiados em sua ajuda permanente, sigamos adiante. O Senhor nos ajudará. Maria, sua santíssima Mãe, está do nosso lado.”[7]


 

[1] Cf. Editorial da Revista Arautos do Evangelho. Editora Abril; p. 5. Mar, 2013.

[2] Fides et Ratio, nº 25.

[3] Do alemão: Visão do universo.

[4] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Editora Loyola. São Paulo, Brasil, 1999. n° 830.

[5] ACI/EWTN Noticias. Roma, 22 de fevereiro de 2013: 01:15 AM.

[6] CLÁ DIAS, Monsenhor João S. O inédito sobre os Evangelhos. Vol. V. Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2012. p. 264.

[7] Primeira Bênção Urbi et Orbi de Bento XVI. Vaticano, 19 de abril de 2005.