A Califasia

Na escala hierárquica da criação, Deus deu aos seres por Ele criados, características que os diferem uns dos outros, como a dureza de certos minerais, as cores de certos vegetais, a agilidade de certos animais. Para o Rei da Criação, Deus deu inúmeros dons, a começar pela razão, que o distingue dos seres inferiores. Entre estes dons esta a capacidade de falar.

Os animais em geral têm olhos, ouvidos, olfato e tato, muitas vezes mais apurados do que o homem. No entanto, o único que, além disso, pode falar é o ser humano. Através da voz, Deus deu ao homem a capacidade de comunicar-se com os demais.

Com a voz o homem canta, e não há instrumento musical que supere a voz humana, quando bem trabalhada. Com a voz o homem comunica-se com os demais e não há meio de comunicação mais eficaz, quando as palavras são pronunciadas com clareza. Com a voz o homem lê em público, e muito agrada uma leitura clara, onde, através da fala, as palavras tomam vida.

De tal maneira a comunicação através da fala é importante, que existe uma arte própria para seu aperfeiçoamento: a califasia.

Do grego, kallós (belo) e phasein (falar), a califasia é a arte de bem pronunciar as palavras, ou seja, ter uma muito boa dicção.

A bem da verdade, a voz é um dos instrumentos mais poderosos que o homem possui. É preciso saber utiliza-la de forma correta. Em um curso de retórica é a califasia que obterá uma correta impostação da voz no momento de falar.

Como impressiona e encanta quando uma mensagem é transmitida com clareza. De modo simples, pela entoação adequada das palavras, agradará aos ouvidos. É importante, também, saber sintonizar os gestos ao que está sendo dito, ou seja, o homem em seu todo deve falar com entusiasmo, com sinergia[1], para que a comunicação seja perfeita.

Uma leitura ou um discurso em que não haja variações de tonalidade e equilibrada “teatralização” está fadado ao fracasso. É preciso saber dar musicalidade ao expressar-se, interpretando as palavras, respeitando a sonoridade de cada sílaba. Para isso é necessária correta inflexão de voz para falar de modo a agradar.

Pelo modo de falar pode-se obter uma série de dados de quem fala, como o grau de competência, o equilíbrio emocional, a cultura, a personalidade, entre outros.

No exercício profissional o modo de falar é de suma importância. De uma babá a um radialista existe um universo de diferenças no modo de se expressar. Cada pessoa deve saber adaptar seu tom de voz e modo de se comunicar em função da missão que exerce.

Na celebração da missa, a liturgia da Palavra ocupa um lugar de grande importância. É necessário que o leitor, ao aproximar-se do ambão, use sua voz para transmitir com clareza e segurança as palavras dos textos sagrados para a assembleia.

Obviamente, além de saber como falar é preciso saber quando e o que falar. O livro dos Provérbios ensina que: “As palavras da boca de um homem são águas profundas, a fonte da sabedoria é uma torrente transbordante. Os lábios do insensato promovem contendas, sua boca atrai açoites. A boca do tolo é a sua ruína, seus lábios são uma armadilha para a sua vida. É do fruto de sua boca que um homem se nutre, com o produto de seus lábios ele se farta” (Pr 18, 4.6-7.20).

Nosso Senhor Jesus Cristo, a Palavra encarnada, como soube fazer uso da voz para transmitir a Boa Nova, bem como São João Batista, os profetas e os apóstolos. No entanto, ao longo da história, quantos falando de modo claro e atraente, persuadiram multidões e as arrastaram a guerras e desastres.

É preciso falar bem e conduzir para o Bem que é Deus, pois “morte e vida estão à mercê da língua” (Pr 18, 21).


[1] Sinergia ou sinergismo deriva do grego synergía, cooperação sýn, juntamente com érgon, trabalho. É definida como o efeito ativo e retroativo do trabalho ou esforço coordenado de vários subsistemas na realização de uma tarefa complexa ou função.