Ad te levavi oculos meos

Por que ri, irmã? De onde a srª tirou esse sorriso tão autêntico, tão espontâneo, tão inocente, tão angelical? Conta para nós o que está vendo nesse momento aparentemente tão sublime. Que janela é essa que abriu à sua frente possibilitando-a descortinar panoramas tão indizíveis, senão outro seria o seu sorriso? Mas pelo que se vê a srª não está numa festa, num shopping, divertindo-se com os amigos, trajando roupas caras, gastando dinheiro, aproveitando a vida. Então, conta-nos, por caridade, por que a srª sorri dessa maneira, porque eu nunca vi um sorriso assim tão contagiante.

 Tampouco aparenta estar se realizando numa bela carreira profissional. Acaso teria tido uma boa notícia, daquelas que nos causa um tremendo alívio e quase nos arrebata, como, por exemplo, a milagrosa cura de um pai que estava com câncer? Ou, quem sabe, a notícia de que seu pai, ao invés de ter sido curado de um câncer, tirou a sorte grande na loteria, possibilitando dar a todos os seus irmãos uma vida para lá de confortável até o fim de seus dias? Não, não parece ser. A sua alegria é por demais serena para ser isto. Ah, vai irmã, conta, porque estamos morrendo de curiosidade. Mas uma coisa é certa, o que a srª vê nesse momento não está fisicamente á sua frente, porque não precisa ser um exímio observador para perceber que a srª não está vendo com os olhos do corpo, mas com os olhos da alma. Então, irmã, conta, porque isto só faz aumentar ainda mais a nossa curiosidade. Por ser religiosa, não nos passa pela cabeça que a srª queira fazer mistério, vender caro o seu segredo. Então, não vai contar?

 Está bem, irmã, não vou insistir, deixa para lá, mas ao menos diga onde a srª se encontra, o que está fazendo, por que está aí, quem está ao seu redor. Talvez assim consigamos ter alguma pista. Ah, entendi, a srª está num convento de religiosas. Quer dizer, entendi que a srª está num convento, mas, sinceramente, ainda assim não consegui entender por que a srª sorri dessa forma. Afinal, perdoa-me a indiscrição, nada aos olhos do mundo aqui fora parece ser mais entediante do que um convento, ainda mais de religiosas contemplativas, como parece ser o seu caso, vivendo somente intramuros, sem poder sair seja lá para o que for, a não ser por raras exceções. Como pode sorrir desse jeito uma pessoa que abriu mão dos mais legítimos prazeres, como o convívio com a família, parentes e amigos, para viver enclausurada? Até compreendo que seja o atendimento a um chamado para uma vida de orações e sacrifícios em benefício da humanidade pecadora, mas e o sorriso? Tenho visto pessoas tranquilas e serenas em oração, mas não sorrindo. Aliás, devo confessar, irmã, que na minha já longa jornada extramuros por este mundo de Deus, jamais vi um sorriso assim. Com licença, irmã, esse seu sorriso está me deixando muito pensativo, é um enigma que preciso desvendar. Deixa-me ficar um pouco em silêncio.

 Ah, irmã, perdoa a minha cegueira. Agora percebo porque a srª permanece calada, somente sorrindo. O que a srª vê não dá para contar, é simplesmente indizível, inefável. Essa janela que se abriu para a srª só pode ser a janela do Céu. Sim, outra coisa a srª não pode estar vendo a não ser a Deus, porque com certeza o seu sorriso não é deste mundo.

 Reze por nós, irmã, reze para que também consigamos ver o que a srª está vendo. Vosso olhar está voltado para Deus, assim como diz o salmo 122: Ad te levavi óculos meos… (Levantei meus olhos para ti Senhor…)

Reze por nós, irmã, reze para que também consigamos ver o que a srª está vendo.

(Por Marco Antonio Machado)