1. Antiga divergência

Desde os primórdios da cristandade, mais precisamente até o século V, a devoção mariana habitava os corações dos fiéis, porém sem as definições e estipulações que os cânones atuais ensinam.
Segundo diversos autores São Gregório Nazianzeno foi um dos primeiros católicos a constituir uma espiritualidade mariana, que a exemplo de Santa Justina conduziu um grande número de fiéis rumo à ortodoxa devoção a Nossa Senhora.
No entanto, segundo Roque Frangiotti, foi com Santo Agostinho que se fundamentou a devoção mariana, precedendo o sínodo de Alexandria e o Concílio de Éfeso.

Será com Agostinho quem trará uma contribuição definitiva para fundar um culto sem receio, proclamando em seu tratado “De natura et gratia” (Sobre a natureza e a graça), que entre todos os seres humanos, Maria foi a única isenta do pecado original. Logo em seguida, um sínodo em Alexandria, no ano de 430, aprova oficialmente sua veneração e devoção. Contudo, será o III Concílio Ecumênico de Éfeso, em 431, que selará definitivamente, a sorte da devoção e o lugar de Maria na Igreja católica. (FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias (Séculos I-VII). São Paulo: Paulus, 1995. p. 123, 124).

Este resultado adveio de uma longa e tumultuada controvérsia entre dois representantes de duas escolas teológicas diferentes, que em vários pontos se opunham: Alexandria e Antioquia.
A escola teológica de Antioquia tem sua origem nos presbíteros Doroteo e Luciano de Samósata, por volta do ano de 290. Seus discípulos mais conhecidos foram: Eusébio de Nicomédia, Maris de Calcedônia, Leôncio de Antioquia, Eudóxio, Teognides de Nicéia, Teodoro de Mopsuéstia, que foi professor de Nestório. Foram os seguidores de Nestório que levaram a escola – já agonizante – para Édesa, depois para Nisibe onde teve fim na Idade Média.
Como foi ensinado pelo Reverendo Diácono Mauro Sérgio nas aulas de Patrística do Instituto Teológico São Tomás de Aquino, a escola exegética de Antioquia, um pouco posterior à de Alexandria, aplicava-se, de maneira especial, à interpretação literal das escrituras. Nos alexandrinos, ao contrário, predominava e especulação teológica e um espírito místico, à alegoria nos estudo dos textos bíblicos. Enquanto em Alexandria o filósofo mais seguido no método de raciocínio foi Platão, na escola de Antioquia se seguia a dialética de Aristóteles.
Desta divergência, nota-se uma tendência profunda:

Como conseqüência temos que, quando fala de Cristo encarnado, a escola de Alexandria assinala para cristo uma só natureza, a divina do Logos, e sua humanidade não era mais que uma simples forma, de que o Logos se serviu para manifestar seu ser. Os antioquianos se opuseram a esta negação real da humanidade de Jesus e disseram que nele, no Cristo, há duas naturezas: a divina e a humana, muito intimamente unidas, porém, não até o extremo de ficar apagada em alguma delas a perfeita realidade, tal foi a doutrina ensinada por Teodoro de Mopsuéstia. Antes dele, Diodoro de Tarso dissera que Maria deu à luz não ao Logos, mas a um homem em tudo parecido conosco, embora muito mais excelente.(FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias (Séculos I-VII). São Paulo: Paulus, 1995. p. 125)

 2. O Nestorianismo

      Nestório nasceu na Germânica de Cesaréia, na Síria (Hoja Mar’ash) por volta do ano de 380. Imbuído das pestilentas heresias provindas de Antioquia, defendeu que a Sagrada Escritura nunca afirmou que Nossa Senhora fosse mãe de Deus ou que o gerou, mas, que é “Mãe de Cristo”, ou “Mãe do Menino”, como está no Evangelho de Mateus.[1]

Outra inverdade que ele pregava, era que Cristo se chama Deus por razão de sua natureza divina. No entanto, esta (a natureza divina) não começou a existir em virtude da Virgem. Logo Nossa Senhora não deve ser chamada Mãe de Deus.[2]

Para piorar, por causa da liberdade desequilibrada dos imperadores que a situação socioeconômica que havia na época intitulada de “Cesaro-papismo” oferecia, o Imperador Teodósio II fizera Nestório Patriarca de Constantinopla em 428.[3]

Com todas estas características, Nestório direcionou seu dinamismo para a propagação de sua “doutrina” em toda a parte, sobretudo onde sua palavra podia ter mais aceitação, ou seja, em sua própria diocese.

 3. A coluna contra o inimigo que investe

     No entanto, diante desta ofensiva, uma voz se faz ecoar na longínqua cidade de Alexandria. É o brado tonitroante de um Patriarca que não quer ver o templo sagrado ser afetado pela sórdida fumaça de satanás provinda da detestável boca de Nestório. Nós poderíamos dizer como venerável Presidente da República do Equador, Dom Garcia Moreno: “Dios no muere!” Ou seja, a ortodoxia nunca abandonará a Terra.

São Cirilo, Patriarca de Alexandria, foi a muralha que defendeu a Santa Igreja das investidas do Nestorianismo. Grande teólogo, segundo muitos autores era homem que só sabia viver em meio aos ventos das polêmicas. Sua obra literária é vastíssima, nada menos que dez volumes da Patrologia Grega do Migne. Virtuoso e devotíssimo de Nossa Senhora, não poderia ser que os espíritos desprovidos de retidão e fidelidade ao magistério eclesiástico se simpatizassem com sua figura.

Elaborando uma formulação cristológica, rejeitando toda a separação real das naturezas em Cristo, São Cirilo defendeu incondicionalmente a união hipostática, ressaltando que o sujeito da humanidade de Nosso Senhor é a pessoa divina.


[1] Cf. S. Th. III, q. 35, a. 5, s.c.

[2] Cf. Idem.

[3] Cf. WALKER, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 1983. p. 216.