Quarta-Feira de Cinzas 

 “Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris”

“Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar” (Gn 3, 19).

Após a terça-feira de Carnaval a Igreja nos convida ao jejum e a abstinência de carne na Quarta-Feira de Cinzas em um grande contraste com o dia anterior, pois neste reina a seriedade e o recolhimento destinados à preparação das almas para receberem a Cristo que se aproxima na Solenidade da Páscoa.

A Quarta-Feira de Cinzas marca o início de um novo tempo litúrgico – a Quaresma – tempo dedicado à penitência e a oração. Mas qual é a razão das cinzas?

Entre o povo Hebreu o costume de se utilizar das cinzas como sinal de penitência e dor, era muito comum e até mesmo recomendado pelo Senhor através de seus Profetas, como podemos verificar em vários trechos das Sagradas Escrituras, tais como:

 – Cobri-vos de cinzas, guardas do rebanho, pois que chegou o dia da vossa destruição (Jr 25, 34).

– Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza (Dn 9, 3).

Com o passar do tempo algumas Igrejas locais passaram a utilizar desta tradição tão incentivada nas Escrituras, e a partir do ano 300 a cinza passou a ser empregada como forma de humilhação e punição para aqueles que praticavam algum pecado público.

Por volta do século VII, nas igrejas, utilizava-se das cinzas para os pecadores públicos que haviam se arrependido de suas práticas e desejavam voltar à prática religiosa. Estes recebiam as cinzas na quarta-feira em que se iniciava a Quaresma, e logo depois se retiravam das comunidades para ficarem isolados durante quarenta dias vestidos com roupas grossas e portando a cinza a fim de serem reconhecidos como penitentes e aceitos novamente no seio da Igreja no Sábado Santo.

Já no século VIII o uso das cinzas visava os moribundos, que eram cobertos de cinzas e aspergidos com água benta a fim de representar os sentimentos de aflição e arrependimento e também como penitência pelos pecados cometidos.

Mais tarde, seguindo o sacramental gregoriano, as cinzas passaram a ser usadas no cerimonial público de iniciação da Quaresma, utilizando-se das cinzas provenientes dos ramos distribuídos no Domingo de Ramos do ano anterior, o sacerdote as impõe na fronte dos fiéis traçando uma cruz e recitando o versículo do Gênesis que encabeça este artigo: “Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar” (Gn 3, 19).

A imposição das cinzas não se trata apenas de um ato exterior, mas traz um significado muito mais profundo, como tão bem nos expressa Bento XVI:

A liturgia da Quarta-Feira de Cinzas indica assim na conversão do coração a Deus a dimensão fundamental do tempo quaresmal. Esta é a chamada muito sugestiva que nos vem do tradicional rito da imposição das cinzas, que daqui a pouco renovaremos. Rito que assume um dúplice significado: o primeiro relativo à mudança interior, à conversão e à penitência, enquanto o segundo recorda a precariedade da condição humana, como é fácil compreender das duas fórmulas diversas que acompanham o gesto.[1]

Para bem aproveitarmos este tempo de preparação peçamos o auxílio da Santíssima Virgem, a Mãe Dolorosa, a fim de que Ela nos obtenha a humildade e a mansidão para buscarmos o sacramento da confissão e assim estarmos cada vez mais atentos à palavra de Deus que nos falará de modo especial nestes quarenta dias em que devemos nos preparar para receber o Senhor Ressuscitado.


[1] Parte da Homilia do Papa Bento XVI – Quarta-feira de Cinzas, 21 de Fevereiro de 2007 – Basílica de Santa Sabina no Aventino.