A Rotina 

Rotina. Esta palavra nem sempre é pronunciada com agrado, causando em muitos até mesmo repulsa, asfixia e pânico. Entretanto, para outros proporciona alívio, segurança e equilíbrio. Qual a atitude correta entre estas duas tomadas de posição? Deve o homem se deixar afogar na rotina do cotidiano ou buscar uma vida de surpresas, fugindo de tudo o que possa significar uma constância de vida? Qual será o modo mais correto de lidar com essa situação que acompanha, e sempre acompanhará o ser humano?

O dicionário da língua portuguesa define rotina, como sendo o hábito de proceder segundo o uso, sem atender aos progressos; hábito inveterado[1].

Analisando com uma visão mais ampla percebe-se que ela acompanha as atividades do homem desde seu nascimento até sua morte, não existindo a possibilidade – por mais que se queira – de se escapar de seu domínio.

Dentro da rotina, quando a pessoa se acomoda, facilmente cai em um defeito muito conhecido: a ociosidade, que é o vício de gastar o tempo inutilmente[2]. Já São Paulo advertia a comunidade de Tessalônica sobre este modo de viver, dizendo: “Ora, temos ouvido falar que, entre vós, há alguns vivendo desordenadamente, sem fazer nada, trabalhem tranquilamente e, assim, comam o seu próprio pão” ( 2Ts 3, 11).

Adão e Eva servem de exemplo, pois no Paraíso eles tinham tudo à sua disposição podendo utilizar dos seus frutos como senhores (Cf. Gn 1, 29). No entanto, Deus, temendo a ociosidade de sua obra prima, encarregou-os de submeter à terra e dominar todas as criaturas (Cf. Gn 1, 28). Entretanto eles se deixaram levar pela rotina e acabaram por pecar, seduzidos pela serpente que os encontrara ociosos e pouco vigilantes (Cf. Gn 3, 1-7).

Para ser bem conduzida, a rotina exige a virtude da constância. Sobre os seus benefícios, Santo Tomas de Aquino explica que ela ajuda o homem contra o desgosto e desfalecimento que podem assaltá-lo na prática continuada do bem[3], pois a partir do momento em que o homem toma a resolução de seguir um hábito de vida ele precisará dessa qualidade para suportar a dureza de um cotidiano que não mostrará seu fim.

É preciso deixar claro que a vida não oferece uma rotina interminável, como se pode imaginar, pois quando menos se espera, algo de novo acontece com, tanto as alegrias quanto os problemas, as dificuldades, os dramas que surgem, ora repentinamente ora de forma paulatina, acabando com a rotina. Portanto essa constância se alternará no momento em que Deus quiser provar a fidelidade do homem.

Dessa forma, uma questão mor se impõe ao pensamento: uma pessoa que se deixa reger pelas doutrinas da Igreja, como deve se portar?

Um provérbio latino responde a questão: virtus in médium est[4]. Não é, portanto uma indolência que deve dominar o espírito humano, mas uma espera calma, desejosa de feitos maiores, com horizontes grandiosos, aproveitando os momentos em que se esteja no “quartel” para preparar os grandes acontecimentos do amanhã.

Algo que serve de exemplo e ajuda a nortear a, é notar como a própria Igreja em sua sabedoria milenar propõe aos homens a rotina do ano litúrgico e dentro deste um tempo de ausência das grandezas e belezas da liturgia, criando assim uma rotina de austeridade com a Quaresma, para preparar os cristãos para a Páscoa, ou seja a alegria será tanto maior quanto maior for a constância no momento da calmaria.

Essa espera suavemente dolorosa e equilibrada, trabalha e educa a alma do ser humano e o incita a valorizar mais o momento que os sinos do júbilo tocam. A esse respeito, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira comenta: “As longas esperas constituem o prelúdio de grandes dons de Deus” [5].

Será com este estado de espírito que o católico terá equilíbrio para andar na “corda bamba” da vida, sabendo ter entusiasmo e fidelidade nos dias de bonança, para não soçobrar nos dias de borrasca.


[1] SILVEIRA BUENO, Francisco. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. FAE – Rio de Janeiro – RJ

[2] Idem

[3] Cf. AQUINO, Santo Tomas – Suma Teológica (CXXXVI,5)

[4] A virtude está no meio.

[5] CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Fidelidade em meio à rotina. Em revista Dr. Plinio, junho de 2012, p. 10.