O Leão de Flandres I

 

A glória de um herói

Os canhões davam salvas em honra ao valoroso herói que voltava à sua pátria, uma pequena aldeia em Flandres na Bélgica. Um regimento apresentou armas. Na comitiva a recebê-lo havia um purpurado. O primeiro ministro proferiu a saudação em nome de todo povo e o próprio rei fez profunda vênia ante o festejado que voltava.

Está em curso o ano de 1936 e a cidadezinha de Tremeloo estava ansiosa, pois mais um Leão de Flandres reluzia dentro da constelação belga, voltando ao porto de Antuérpia em navio de guerra.

Em triunfo passou o flamengo pelas cidades e aldeias da sua terra natal. Em todas as torres tangiam os sinos. Por toda parte ondulavam bandeiras ao vento. Crianças esparziam flores pelo caminho.

Quem seria o ovacionado que fazia a sua entrada solene na pátria? Apenas um morto! Alguém que, numa ilha distante do Oceano Pacífico, dera a sua vida por seus irmãos doentes; um mártir da caridade; o leproso no meio dos leprosos de Molokai; um sacerdote – Damião de Veuster – que vivera na ilha da morte, o novíssimo herói dos flamengos e muito mais do que isso, herói no reino de Deus!

Como começou o caminho de sangue que escolhera para si? De onde vieram as forças para querer dar sua vida pelos filhos de Deus? Quem o formou para que um dia pudesse ser verdadeiramente um Leão?

 

            Semeando a Fé

            Dentre as diversas tradições que compõe o folclore flamengo, uma destaca-se por sua religiosidade e beleza.

Em meio aos alvos picos nevados das opulentas florestas da Bélgica, durante o período do natal as famílias organizam pequenas serenatas em honra ao Menino Jesus, através de operetas, na qual figura a Sagrada Família, os pastores e três Reis Magos como cantores…

Assim decorria o ano de 1840, quando um sapateiro da cidadela de Tremeloo se preparava para figurar o Etíope Baltazar. Para auxiliar a maquiagem, dada à falta de recursos, não ocorreu coisa melhor ao turrão Jan Kuypers do que mudar seu visual utilizando-se da graxa negra destinada aos calçados…

Homem rude, trabalhador incansável de punho forte e coração brando, Kuypers só tinha o defeito de cuidar menos de sua família do que de seu triste vício; a bebida.

Dessa forma, dona Maieken – sua esposa – e seus filhos viviam na miséria, pois muitas vezes a genebra e a cerveja tinham precedência na casa do sapateiro intemperante.

Rezava sua senhora para que isso um dia mudasse, mas, as promessas do triste homem eram quebradas uma após outra e o único que permanecia era a garrafa vazia, “pedindo” para ser renovada…

Entretanto, o dia de Reis chegara e com ela mais uma oportunidade de auxiliar o orçamento da casa. Jan está apressado, pois dona Ana Catarina esperava com seu marido Francisco de Veuster, a vinda dos magos, pois todos no sítio já se impacientavam.

Assim, como um corisco o novo Baltazar coloca a coroa e corre em direção aos outros reis; Winkelmohlen e Willem van den Heuwel, humildes camponeses que a quase uma hora esperavam no lugar combinado.

Chegando à fazenda dos Veuster, a tradição começa a cantar suas notas e a religião vai tomando cores e dando um novo ar ao ambiente.

Porém, Deus se utilizaria de um instrumento peculiar para converter certo coração. Quando os três reis veem o menino que representava Jesus na manjedoura, seus lábios se cerram e seus olhos ficam marejados. Era um gracioso bebê com três dias de idade e dois de batizado! Tal era a atmosfera que reinava na improvisada gruta que dos olhos de Jan Kuypers começa a sair uma cascata de lágrimas que, desajeitadamente o sapateiro enxuga com a manga da camisa, limpando-se da tinta que se pintara.

Instintivamente os três tiram suas coroas e, para vergonha de Kuypers sua calva branca fica exposta, pois o tempo foi curto para pintá-la. Independente disso, o ambiente não era para riso. Muito pelo contrário, algo havia tocado o coração do rude sapateiro que, ao tomar o menino nos braços, entre lágrimas exclama:

 

– Esta é agora apenas uma criança! Uma só! Sim, tenho mesmo cinco em casa. Acho que nunca soube bem o que é um filho. Agora acho que um filho é sempre o Menino Jesus, que novamente vem ao mundo, e toda mãe é Maria!

– Tem seu quê de razão, Kuypers, disse Dona Ana Catarina de Veuster com um sorriso, tomando novamente o menino das mãos do rei negro.

– Devo voltar para casa! Disse o sapateiro, colocando a coroa de latão sobre a cabeça!

– O Jan enlouqueceu ou foi ajuizado pela primeira vez na vida – disse a senhora Veuster, que representava Maria.

Com um meneio de cabeças, puseram os dois reis seus sacos às costas saindo para casa, pois em dois não dá para cantar os reis. A mãe do pequenino, porém, envolveu seu filho e, dando-lhe um beijo disse:

– Por certo algum dia te tornará sacerdote missionário, pois com três dias de idade já converteste um mouro…

A partir deste dia, Marieken, a esposa de Jan Kuypers nunca mais viu seu marido acorrer ao vício que, ao ser perguntado o porquê de tal mudança dizia:

– Vi uma criança!

Esses eram os primeiros movimentos do filhote de leão que nascera para a Fé semeando-a ainda inconscientemente. Que fim levará esse menino? Qual a missão que Deus guardara para essa criança que bateu o recorde em idade enquanto objeto de conversão para outrem? Quando o leão começará a rugir? Não perca o próximo artigo…