São João Batista, um homem harmônico
Dois corpos não ocupam o mesmo espaço; onde há luz não há trevas; onde há calor não há frio; se é grande, não é pequeno; enfim, todas estas coisas óbvias, qualquer um aprende naturalmente por menor que lhe seja o bom senso. Mas será que é possível o grandioso ser humilde?
Algo de curioso podemos notar no personagem descrito neste artigo: São João Batista. São Lucas nos narra em seu Evangelho: “No tempo de Herodes, rei da Judéia, havia um sacerdote chamado Zacarias, da turma de Abias. Sua mulher, descendente de Aarão, chamava-se Isabel. Ambos eram justos diante de Deus e viviam irrepreensíveis em todos os mandamentos e ordens do Senhor. Mas não tinham filhos, pois Isabel era estéril e ambos eram de idade avançada” (Lc 1, 5-7).
Sua concepção se deu de maneira extraordinária: “Então apareceu-lhe um anjo do Senhor, de pé, à direita do altar do incenso. Ao vê-lo, Zacarias se perturbou e teve medo. Mas o anjo lhe disse: ‘Não tenhas medo, Zacarias, porque foi ouvida tua oração. Isabel, tua mulher, vai te dar um filho a quem darás o nome de João. Ficarás alegre e muito feliz, e muitos se alegrarão com seu nascimento. Ele será grande diante do Senhor’” (Lc 1, 11-15). Já se notava algo se singular nos desígnios de Deus a seu respeito.
Uma pessoa que tem seu início marcado por todos esses episódios, é de se perguntar: Qual será sua missão na Terra?
Grande era a expectativa do Messias, mas infelizmente não o idealizavam como Redentor do gênero humano e sim como um restaurador do Reino de Israel. As impressionantes intervenções divinas na história do povo judeu; as pragas do Egito, a abertura do mar vermelho com a morte do faraó e todo o seu exército, a tomada de Jericó, entre outras – todas essas dádivas, mal correspondidas, havia dado um fastígio de vangloria aos descendentes de Abraão, porém, encontrando-se subjugados ao poder romano, sentiam saudades de toda esta áurea que lhes circundava, daí o motivo de esperarem ansiosamente um Messias que, à maneira de um Moisés ou de um Rei Davi, lhes restituísse a supremacia sobre todas as gentes. Com essa conduta materialista, não daria para Nosso Senhor se fazer presente em seu meio, era preciso “preparar para o Senhor um povo bem disposto”(cf. Lc 1, 17).
Ao nascer São João Batista todos se perguntavam: “Quem virá a ser este menino?” (cf. Lc 1-66). Assim João aparecia como fruto da oração do sacerdote no templo de Jerusalém, além disso, foi predito pelos profetas, anunciado pelo anjo Gabriel, teve pais santos que o conceberam milagrosamente na velhice e na esterilidade, preparou o caminho de Nosso Senhor fazendo os homens voltarem-se para Deus, ainda no ventre de sua mãe foi santificado e limpo do pecado original, viu o “Espírito Santo descer em forma corpórea, como uma pomba”(cf. Lc 3, 22). Dele declarou Jesus que “era é o Elias que haveria de vir”(cf. Mt 11, 14), batizou o próprio Homem-Deus, enfim, como afirma Tertuliano[1] “figura única na história, aureolada de um prestígio sobre-humano que se ergue misteriosa e solenemente no encontro dos dois Testamentos” e ainda, afirma Nosso Senhor, “eu vos garanto que dentre os nascidos de mulher ninguém é maior do que João Batista”(Mt 11, 11). Quantas dádivas de Deus para uma só criatura, mas, ao contrário do povo judeu que por falta de correspondência caiu na vanglória, São João Batista adquiriu a verdadeira grandeza, aquela que provém de uma profunda e sincera humildade, reconhecendo que tudo vem de Deus, digno de toda honra e glória.
“O menino crescia e se fortalecia em espírito e morava no deserto”(Lc 1, 80). “João usava roupas feitas de pelos de camelo, um cinto de couro na cintura e comia gafanhotos e mel silvestre”(Mc 1, 6). Vemos aqui a grande humildade de João Batista. De fato, era bem notável o seu grande desprendimento, costumes ascéticos, fuga da glória terrena, dedicação integral a Deus, tudo isso acompanhado do grande desejo da vinda do Messias. Logo sua fama se espalhou e atraia a si numerosas caravanas, vindas da região oriental e ocidental do rio Jordão. Não se prendeu o coração de João Batista a nada disso, de maneira que, quando apareceu Nosso Senhor, não hesitou em apontar “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”(Jo 1, 29), colocou Nosso Senhor bem acima de si proclamando que era “indigno de desatar suas sandálias” (cf. Mt 3, 11) desejando também diminuir-se para que Ele aparecesse.
Anunciou a vinda do Messias, defendeu sua fé até as últimas consequências, e alcançou a felicidade eterna – aquela que Deus concede aos que cumprem sua vocação.
Com São João Batista, ganhamos também nós, o maravilhoso exemplo da harmonia entre grandeza e humildade. Se for necessário em nossas vidas termos alguma projeção ou possuirmos algum destaque natural, não nos prendamos a ele, mas sim, que possamos ser como candeeiros postos em lugar alto, não para aparecermos, mas para aplainar nos corações de cada um de nossos irmãos os caminhos para Nosso Senhor Jesus Cristo percorrer melhor essas estradas. A modelo de São João Batista, não preguemos somente para os ouvidos, ou seja, só por palavras, mas sim preguemos para os olhos com nossos exemplos de humildade, ainda que tenhamos o papel de representar algo de grande.
[1] Tertull.”ad Marc.” -33 PL 2,471.
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