O tempo foge de modo irreparável 

Vivemos o presente que em seguida torna-se passado, pois rumamos ao futuro. Não podemos parar o tempo. A cada instante deixamos algo para trás e damos um novo passo em direção ao encontro com Deus. Todo homem sério deve levar em conta essa realidade para não ser surpreendido quando o tempo que lhe foi dado acabar.

Na cerimônia de imposição das cinzas na quarta-feira que abre a Quaresma a liturgia recorda-nos que do pó viemos e para ele voltaremos: “Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó hás de voltar” (cf. Gn 3, 19). Mons. João Clá Dias comenta que: “A consideração da árdua passagem desta vida para a eternidade muitas vezes nos inquieta. Entretanto, tal pensamento é altamente benfazejo para compenetrar-nos da necessidade de evitar o pecado que, sem o arrependimento e o imerecido perdão, poderá fechar-nos, para sempre, as portas do Céu: “Lembra-te de teu fim, e jamais pecarás” (Eclo 7, 40)”[1]. A esse propósito, com propriedade, Dom Próspero Gueranger recomenda: “Se quisermos perseverar no bem, onde a graça de Deus nos restabeleceu, sejamos humildes, aceitemos a sentença, e não consideremos a vida senão como uma caminhada mais ou menos longa que termina no túmulo”[2].

 

O filósofo Sêneca[3] saúda seu amigo Lucílio lembrando-lhe que a morte não é coisa do futuro, mas parte dela já é coisa do passado: “Comporta-te assim, meu Lucílio, reivindica o teu direito sobre ti mesmo e o tempo que até hoje foi levado embora, foi roubado ou fugiu, recolhe e aproveita esse tempo. Convence-te de que é assim como te escrevo: certos momentos nos são tomados, outros nos são furtados e outros ainda se perdem no vento. Mas a coisa mais lamentável é perder tempo por negligência. Se pensares bem, passamos grande parte da vida agindo mal, a maior parte sem fazer nada, ou fazendo algo diferente do que se deveria fazer. Podes me indicar alguém que dê valor ao seu tempo, valorize o seu dia, entenda que se morre diariamente? Nisso, pois, falhamos: pensamos que a morte é coisa do futuro, mas parte dela já é coisa do passado. Qualquer tempo que já passou pertence à morte. Então, caro Lucílio, procura fazer aquilo que me escreves: aproveita todas as horas; serás menos dependente do amanhã se te lançares ao presente. Enquanto adiamos, a vida se vai. Todas as coisas, Lucílio, nos são alheias; só o tempo é nosso. A natureza deu-nos posse de uma única coisa fugaz e escorregadia, da qual qualquer um que queira pode nos privar”.

Aprendamos, pois, a valorizar o tempo que foge de modo irreparável…


[1] DIAS, João S. Clá. Comentário ao Evangelho – Quarta-Feira de Cinzas. Em: Revista Arautos do Evangelho, Fev/2010, n. 98, p. 10 à 17.

[2] GUERANGER, Prosper. L’Année liturgique. Le temps de la Septuagésime. Tours: Maison Alfred Mame et fils, 1921, p.240.

[3] L. Annaeus Seneca Iunior. Epistulae Morales ad Lucilium IX.