Santa Teresinha do Menino Jesus: amar a quem nos desagrada.
“Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5,48). Esta sentença de Nosso Senhor Jesus Cristo se nos apresenta com uma luminosidade das mais desconcertantes, pois o Modelo a ser imitado nada mais é do que o próprio Deus. Contudo, que perfeição é, pois, esta? “Sede misericordiosos como o vosso Pai celeste é misericordioso” (Lc 6,36). Assim, trata-se de imitarmos a perfeição que se revelou na cruz de Cristo, ou seja, a perfeição do amor pelo próximo.
O amor não é um sentimento que nos faz andar encurvado, com a cabeça torta e sorrindo para todos quantos encontramos. Não! O verdadeiro amor, o amor a Deus, é mais exigente e mais generoso, como nos explica o grande mestre da espiritualidade católica Tomás de Kemps: “O amor está acima de qualquer outro bem… É generoso; faz empreender coisas grandes e estimula a tudo o que há de mais perfeito e melhor nos céus e na terra, porque o amor nasceu de Deus e não pode saciar-se senão com o próprio Deus… Quem ama corre, voa e se alegra; é livre; nada o detém, nada lhe pesa, nada lhe custa; tenta fazer mais do que pode; não considera nada impossível, porque tudo crê possível e lícito. Por isso, pode tudo e realiza muitas coisas, diante das quais quem não ama desanima e cai” (Imitação de Cristo, III, 5). Trata-se, pois, de princípio ativo de vida espiritual que tem sua origem em Deus.
Ora, é nesse sentido que se destaca como modelo de amor a Deus e ao próximo Santa Teresinha do Menino Jesus. Em seus escritos autobiográficos transbordam os fatos de um amor puro e despretensioso para com as irmãs de hábito. Dentre eles, um nos serve de prova de como o amor se prova nas pequenasocasiões do dia-a-dia. “Há na comunidade uma irmã que tem o talento de me desagradar em todas as coisas; os seus modos, as suas palavras, o seu carácter eram-me muito desagradáveis. No entanto é uma santa religiosa que deve ser muito agradável ao bom Deus. Assim, não querendo ceder à antipatia natural que sentia, disse a mim própria que a caridade não devia ser composta por sentimentos, mas por obras. Decidi então fazer por esta irmã aquilo que faria pela pessoa que mais amasse. Cada vez que a encontrava rezava ao Senhor por ela, oferecendo-Lhe todas as suas virtudes e méritos. Sentia que isso agradava a Jesus, pois não existe artista que não goste de receber louvores pelas suas obras e Jesus, o artista das almas, fica feliz quando não nos detemos no exterior, mas, penetrando até ao santuário íntimo que Ele escolheu para morar, admiramos a sua beleza. Não me contentava em rezar muito pela irmã que me suscitava tantos combates, obrigava-me a fazer-lhe todos os favores possíveis e, quando tinha a tentação de lhe responder de modo desagradável, contentava-me em lhe fazer o meu sorriso mais amável e fazia por desviar a conversa. […] E também muitas vezes […], tendo algumas relações de trabalho com essa irmã, quando os embates eram demasiado violentos, fugia como um desertor. Como ela ignorava totalmente o que eu sentia por ela, nunca desconfiou dos motivos da minha conduta e continua persuadida de que o seu carácter me agrada. Um dia, no recreio, disse-me mais ou menos estas palavras com um ar muito contente: ‘Podes dizer-me, irmã Teresa do Menino Jesus, o que a atrai tanto em mim, pois de cada vez que olha para mim vejo-a sorrir?’ Ah, o que me atraía era Jesus, escondido no fundo da sua alma. Jesus torna doces as coisas mais amargas”[1].
Por tão singelo como profundo exemplo, Santa Teresinha nos apresenta a caridade não só como virtude a ser realizada, mas caminho a ser percorrido, itinerário espiritual pelo qual, sob a direção do Espírito Santo, podemos aproximar-nos de Deus e de suas perfeições.
[1] Cf. Santa Teresinha do Menino Jesus. História de uma Alma.
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