No silêncio está Deus

Se há uma “qualidade” que caracteriza a época histórica em que vivemos é a agitação e a velocidade; barulho, ruídos, construções, som alto, “tilintar” do celular, ronco de motores, chiar de rádio, propagandas, soar de sirenes… vivemos em cidades ofegantes e saturadas de barulho onde apenas uma voz não é ouvida, a do silêncio… Parece que pervade as pessoas um sentimento de medo em buscá-lo, medo de estarem a sós e de encontrarem-se consigo mesmas.

Consequência imediata dessa agitação é a falta da vida de oração, que implica em não conseguir concentrar-se e administrar os objetivos à luz do Senhor. Sabemos bem que barulho e agitação em demasia causam neuroses, desequilíbrios e desesperos. Leva à superficialidade e à dissipação, esvazia, tira a capacidade de refletir e de ouvir a Deus.

A dissipação é uma das grandes dificuldades que o homem tem para não escutar a Deus. Santo Agostinho exclamará cheio de arrependimento: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova!… Eis que habitava dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”.[1] A atividade constante, aquela busca com sofreguidão por novidades, toda uma conduta embebida de pragmatismo em geral, impedem a nossa alma de se colocar em estado de contemplação. Daí o provérbio: “Deus não está na agitação” (I Rs 19, 11).

Ora, é no silêncio de nosso interior que encontramos o Senhor e aprendemos a tratar com os problemas que nos afligem. Entre estes está a seguinte questão: “por que tenho tantos problemas e dificuldades? Por que isto ou aquilo me aconteceu?” Poderá ser uma doença grave e que está difícil de ser curada, um negócio que não deu o resultado esperado ou um conflito familiar. Inúmeras vezes, no frenesi de encontrar soluções, ouvimos conselhos de amigos, familiares, lemos livros de autoajuda e… nada! Contudo, nos falta escutar a quem verdadeiramente nos pode ajudar: Deus! E para encontra-Lo é preciso silêncio. Há certos momentos em que o silêncio diz mais do que tudo quanto o homem possa dizer. Tais situações exigem de nós silêncio. Silêncio diante dos mistérios de Deus para melhor compreendê-los.

Conta-nos uma antiga lenda norueguesa sobre um homem chamado Haakon, que cuidava de uma ermida (capela) à qual muita gente vinha rezar com devoção. Nesta ermida havia uma cruz muito antiga, e muitos vinham ali para pedir a Cristo que fizesse algum milagre.

Certo dia, o eremita Haakon quis também pedir-lhe um favor. Um sentimento sobrenatural e generoso o impulsionava. Ajoelhou-se diante da cruz e disse: “Senhor, quero padecer por Vós. Deixai-me ocupar o vosso lugar. Quero substituir-vos na cruz”. E permaneceu com o olhar fixo na cruz, como quem espera uma resposta.

Surpreendentemente, o Senhor abriu os olhos e lhe falou. Suas palavras, do alto, soaram graves e admoestadoras: “Meu querido servo Haakon, Eu te concedo o que desejas, mas com uma condição”. “Qual é Senhor?” Perguntou Haakon. “É uma condição difícil? Estou disposto a cumpri-la com a tua ajuda!”

Respondeu o Senhor: “Escuta-me. Aconteça o que acontecer, e vejas tu o que vires diante de ti. Deves guardar sempre o silêncio”. Haakon respondeu: “Prometo-o, Senhor!”

 E fizeram a troca de lugares sem que ninguém o percebesse. Ninguém reconheceu o eremita pendente na cruz. Quanto ao Senhor, passou a ocupar o lugar de Haakon, também sem que ninguém o percebesse. Durante muito tempo, ele conseguiu cumprir o seu compromisso e não disse nada a ninguém que vinha rezar aos seus pés.

Certo dia, porém, chegou um homem rico. Depois de orar, esqueceu ali a sua bolsa com dinheiro. Haakon viu e se calou. Também não disse nada quando outro homem, desta vez pobre, que veio ali rezar duas horas mais tarde, e se apropriou da bolsa do rico. E também não disse nada quando um rapaz se prostrou diante dele pouco depois, para pedir-lhe a sua graça antes de empreender uma longa viagem. Nesse momento, porém, o rico tornou a entrar na ermida em busca da bolsa esquecida. Como não a encontrasse, pensou que esse rapaz se teria apropriado dela. Voltou-se então para ele e o interpelou com muita raiva:

Rapaz, dá-me a bolsa que me roubaste!”

O jovem, surpreso, replicou-lhe: “Não roubei nenhuma bolsa!”

“Não mintas, rapaz. Devolve-me já!” Interpelou-o o rico novamente.

“Repito que não apanhei nenhuma bolsa!”

O rico, ainda mais furioso, avançou contra o jovem para agredi-lo. Soou então uma voz forte do alto da cruz: “Pare!”

O rico, surpreso, olhou para cima e viu que a imagem de Nosso Senhor lhe falava. Haakon, que não conseguiu permanecer em silêncio diante daquela injustiça, gritou-lhe, defendeu o jovem e censurou o rico pela falsa acusação. Este ficou aniquilado e saiu da ermida. Saiu também o jovem porque tinha pressa para empreender a sua longa viagem.

Quando a ermida ficou vazia de peregrino, Cristo dirigiu-se ao seu servo e disse-lhe: “Desce da Cruz. Não serves para ocupar o meu lugar. Não soubeste guardar o silêncio prometido”.

“Mas, Senhor, como podia eu silenciar-me diante dessa injustiça?” Respondeu Haakon.

Trocaram de lugar. Cristo voltou a ocupar a cruz e o eremita permaneceu diante dela. E o Senhor continuou a falar-lhe: “Tu não sabias que era conveniente para o rico perder a bolsa, pois trazia nela o preço de um falso acordo com um comerciante ladrão. O pobre, pelo contrário, tinha necessidade momentânea desse dinheiro, para devolvê-lo mais tarde aos pés da cruz. Quanto ao rapaz que ia receber os golpes, a suas feridas o teriam impedido de fazer a viagem que acabou sendo fatal para ele. O seu barco afundou no mar e ele se afogou. Tu também não sabias nada disto, mas Eu sim. E por isso teria me calado”.

E o Senhor tornou a guardar silêncio.

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Muitas vezes nos perguntamos por que Deus não nos responde. Por que Deus se cala? Muitos de nós quereríamos que nos respondesse de imediato o que desejamos ouvir, mas Ele não o faz. Responde-nos com o silêncio. Deveríamos aprender a escutar esse silêncio. O Divino Silêncio é uma palavra destinada a convencer-nos de que Ele, sim, sabe o que faz. Com o seu silêncio, diz-nos misericordiosamente: “Confia em mim, sei bem o que é preciso fazer! Mas, para saber ouvir esta voz interior é preciso silêncio e espírito de oração.


[1] SANTO AGOSTINHO. Confissões. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997, coleção Patrística v. 10, p. 299.