Rei dos reis
Uma das várias formas de conhecer, própria ao ser humano, é a comparação. Daí o fato de todo homem ser eminentemente comparativo. Quantas vezes não ouvimos expressões como estas: “prefiro o frio ao calor”, “gosto mais de conversar com tal pessoa por que ela me compreende”, e ainda, “estou procurando um emprego novo, no qual eu possa receber um salário melhor”. Ou seja, sempre que algo nos é apresentado, em geral emitimos um juízo mediante uma comparação. Ora, este costume historicamente universal se estende até entre pessoas e animais, entre as qualidades destes e daquelas.
Nas Sagradas Escrituras se lê: “Em seus feitos parecia um leão, um filhote de leão, que ruge sobre a presa. Perseguiu os ímpios com pertinácia e atirou às chamas os opressores do povo (1Mc 3,4-5)”. Neste trecho do primeiro livro dos Macabeus, vê-se esta comparação entre os feitios de Judas Macabeu com a força de um leão. Este, é o maior felino, depois do tigre, apresentando comprimento e peso menor, mas sendo mais alto na cernelha[1]. Possui uma pelagem curta e a coloração é unicolor, variando do castanho claro ao cinza prateado e do vermelho amarelado ao marrom escuro. Tem a cabeça arredondada e curta e o corpo musculoso e bem proporcional.
Este grande felino é considerado o rei da selva justamente por ser mais forte e, por isso, todos os outros animais o temem. Essa força possuída pelo leão é atribuída metaforicamente a Nosso Senhor Jesus Cristo sob o título de “Leão da tribo de Judá”. “Dizer que Deus é leão não significa mais que em seu atuar. Deus tem tanta força que se parece à do leão. Isto dá a entender que não se pode definir o significado dos nomes dados a Deus se não se parte do que significa quando são dados às criaturas.”[2]
Assim, quando a Igreja celebra a solenidade de Cristo Rei do Universo, é por ser Ele, Jesus Cristo, verdadeiro Rei e Rei por excelência, por que tem não só a força de um leão, mas é a própria Fortaleza. Além disso, a Majestade de Cristo não é como a dos reis terrenos, pois, apesar de “todo o universo estar debaixo dos seus pés” (cf. Ef 1,22), como disse o próprio Salvador: “meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36). Como é, então, essa Majestade?
“Pensemos na majestade do Homem-Deus no Calvário, sentenciado, condenado e pregado na cruz. Sobre Ele recaíram as piores execrações possíveis. Era o rejeitado por excelência, como nenhum outro ser humano fora nem será. Durante três anos de sua vida pública, Nosso Senhor não fez senão procurar atrair os outros, manifestando-lhes uma sabedoria, uma misericórdia e uma bondade infinitas. Seu império sobre as forças da natureza tornou-se patente em mais de uma ocasião. Um poder capaz de levantar um morto sepultado há quatro dias e que já cheirava mal, com uma simples ordem: ‘Lázaro, sai para fora!’
As tempestades agitam as águas do mar e, a uma palavra d’Ele, tudo serena. Falta vinho, Ele manda encher algumas bilhas de água e, quando o mordomo se põe a servir, espanta-se com a qualidade do vinho que é oferecido aos convidados das bodas de Caná. A multidão tem fome? Ele multiplica os pães e os peixes e ordena aos Apóstolos saciar aquela gente. A comida se verifica tanta que, com os restos, ainda enchem doze canastras. Por onde Nosso Senhor passava, maravilhas se sucediam. Poder, sabedoria, bondade e ternura insondáveis. Seu olhar, sua fisionomia, suas mãos e sua presença divinas estavam repletos de dons ofertados aos homens. O povo O proclama rei para em seguida rejeitá-Lo em favor do facínora Barrabás.
Rejeição completa, na qual Nosso Senhor nada perdeu de sua majestade infinita, de sua distinção incomparável. Qualquer um que, de olhar límpido e isento de preconceitos, O visse pregado na cruz, ajoelhar-se-ia e diria: ‘Meu Rei!’
Não houve nem haverá na História um monarca que tenha, sequer de longe, manifestado semelhante majestade.[3]
[1] Do latim cernicula, garrote ou cachaço é a região proeminente nos grandes quadrúpedes onde se unem as espáduas em forma de cruz.
[2] AQUINO, São Tomás. Suma de teologia. La natureza Divina. Art. 6,pp 190
[3] CORREA DE OLIVEIRA. Plinio. Revista Dr. Plinio. Ano XI, Nº 128, Novembro 2008. Reflexões em torno da Festa de Cristo Rei. pp 24
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