Escutar o silêncio

               “Voz de Cristo, voz misteriosa da graça que ressoais no silêncio dos corações, vós murmurais no fundo das nossas consciências palavras de doçura e de paz”. Com essas comoventes palavras o Padre Thomas de Saint Laurent inicia seu célebre Livro da Confiança. Ele nos convida a confiarmos na bondade de Nosso Salvador apesar de todas as dificuldades deste mundo: “Confiança! Confiança! Eu venci o mundo” (Jo 6, 33). E é através do silêncio, recolhimento e oração que se escuta essa voz misteriosa da graça.

Ao longo da história, o silêncio sempre foi apresentado como uma virtude a ser praticada para a formação do bom caráter. No livro dos Provérbios se lê: “O que guarda sua boca, guarda sua alma” (Pv 13, 3); e ainda: “O que não pode conter a sua boca, é como uma cidade aberta e sem muros” (Pv 25, 28).” Por isso, os santos procuram o silêncio, os lugares solitários, fogem do burburinho e da agitação; seguem a recomendação do Eclesiástico, “Deus não se encontra na agitação” (I Re 19, 11). E São Doroteu dá este aviso: “Evita a loquacidade, porque ela expulsa do espírito os bons pensamentos e o recolhimento com Deus”. Porque quando “Deus quer falar a uma alma, Ele a conduz a solidão” (Os 2, 24).

Contudo, o mundo moderno já não suporta a tranquilidade e o silêncio, procurando preenchê-lo com todos os tipos de ruídos. Nas ruas há sempre barulho: automóveis, britadeiras, alto-falantes, “música ambiente” em determinados lugares públicos; não é raro ver indivíduos sozinhos em seus automóveis “ouvindo” músicas no máximo volume etc.; em casa, som, televisão ligada, ainda que ninguém assistindo ou um celular conectado à alguma rede social, são subterfúgios para se passar o tempo ou se distrair…  Tudo isto produz como consequência uma sociedade baseada em hiperestímulos, e não raras vezes, doente. Em termos psiquiátricos, a falta de silêncio está relacionada a hiperexcitabilidade do sistema nervoso, causando nas crianças e nos adultos os Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Exemplo muito elucidativo de como uma grande parte das pessoas já não sabe se recolher, ou “escutar” o silêncio é um recente estudo realizado por cientistas norte-americanos das Universidades de Harvard e da Virgínia, e publicado na revista Science. O teste consistia em fazer com que algumas pessoas, de 18 a 77 anos, universitários ou não, permanecessem sozinhas por um período de 6 a 15 minutos em uma sala sem decoração, livros, telefone ou qualquer outra distração. A única regra é que eles deveriam ficar sentados e acordados. Questionados ao fim do teste, os voluntários disseram, na média, não ter gostado da experiência e relataram que a mente ficava vagando… Outros ainda, confessaram ter trapaceado, mexendo nos celulares, ouvindo música ou se levantando para fazer qualquer outra coisa durante o teste. Em um estudo seguinte, os participantes tinham a opção de ficar sentados sem distrações ou aplicar choques elétricos em si mesmos. Surpreendentemente para os cientistas, 67% (12 de 18) dos homens e 25% (6 de 24) das mulheres aplicaram o choque pelo menos uma vez durante o teste. Em um caso, um homem apertou o botão que liberava o choque 190 vezes. Antes do experimento, em uma conversa com os cientistas, a maioria dos participantes tinha afirmado que pagaria para não receber os choques, mas mudou de ideia diante do tédio. Com isso, os pesquisadores concluíram que, independentemente da idade, nível econômico, escolaridade e frequência de uso do celular e de mídias sociais, as pessoas não gostam de ficar sozinhas com seus pensamentos.

De um ponto de vista mais profundo, vê-se que a dissipação, à qual os participantes deste estudo, bem como muitos outros estão habituados, é uma das grandes barreiras que se opõem entre Deus e os homens. Santo Agostinho exclamará cheio de arrependimento: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova!… Eis que habitava dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!…”. A atividade constante, aquela busca com sofreguidão por novidades, toda uma conduta agitada, em geral impedem a alma de se colocar em estado de contemplação. Por isso o inimigo da salvação do gênero humano, o demônio, quer manter o homem permanentemente “plugado” em alguma coisa, em estado de constante efervescência e inquietação. E Santo Agostinho concluirá: “porque nos criastes para Vós, o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós”.

 

Saiba mais: http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/07/04/noticia_saudeplena,149259/estudo-mostra-que-muitos-preferem-a-autopunicao-em-vez-de-ficar-sozinhos-para-pensar.shtml