Nas históricas catedrais da França, belos vitrais adornam as espaçosas janelas. Mais que simples vidraças, essas janelas de um mundo de sonhos, feitas de cores radiantes conjugadas com excelentes formas e contornos, produzem, talvez, em quem penetra nesses recintos sagrados, a suave impressão de uma fuga agradável aos afazeres concretos e o acesso a uma realidade paradisíaca.

Claro está, os vitrais não possuem apenas a função prática de filtrar a luz do sol, que penetra sobre os que se refugiam na casa de Deus. Se o seu feitio maravilhoso encanta, têm ainda, atrativo quiçá mais fascinante: narram o passado, contam a História. Recolhem, assim, em suas tonalidades e cores, informações e notícias de um passado que, de tão importante exigiu cravar as garras no presente e vencer o tempo, e de tão marcante e repleto de imponderáveis, precisou ser transformado em arte.

Entre os vitrais mais famosos, ou melhor, entre os fatos mais notórios transformados em luminosas cores, na catedral de Reims, encontra-se a cena da memorável conversão de Clóvis, o primeiro rei cristão dos francos. Esse episódio é um tanto impreciso em seus detalhes, mas não em sua autenticidade. Sobre um fundo azul celeste, pode-se contemplar a figura venerável de São Remígio banhando, nas águas do Batismo, o rei bárbaro.

De fato, Clóvis era um bárbaro que se converteu ao Catolicismo. Sua conversão foi de tal maneira importante, que ele arrastou atrás de si todo um povo, a bem dizer, uma civilização, e conferiu à antiga Gália a glória de ser chamada filha primogênita da Igreja. Por isso, a figura da conversão desse monarca até hoje surpreende os que acorrem aos livros de vidro, para procurar entender o passado da França.

Como um homem de costumes tão rudes e tão supersticioso poderia aceitar um novo e austero estado de vida, que implicava uma mudança completa de conduta? Como explicar sua adesão a um conjunto de princípios?

Conta-se que, no dia de seu Batismo, Clóvis foi levado por São Remígio num solene cortejo pela nave da catedral de Reims. Depois de alguns dias de instrução, Clóvis chegara ao momento tão esperado da cerimônia augustíssima em que se tornaria filho de Deus. “A igreja está ornamentada com panos brancos; o incenso embalsama o ar, e os círios são tão numerosos que este dia cinzento de inverno parece estar iluminado por um sol de agosto” (Daniel Rops. A Igreja dos bárbaros. São Paulo: Quadrante, 1991, p.189-190). Em dado momento, em pleno cortejo, extasiado, Clóvis se detém. Seu enlevo já não pode conter-se, seu arrebatamento transborda os limites do silêncio. Sua voz é também a de seus súditos bárbaros; bárbaros, sim, mas tomados de admiração. Clóvis pergunta ao santo Bispo: “Pai, já é o Céu?” Tomado pelas graças da conversão, encontra-se sob o suave e ao mesmo tempo irresistível ímpeto da conversão. O que acontecera? O que se passara naquela cerimônia que havia pouco se iniciara? É que esse rude monarca vira a Deus, e se deixara maravilhar por sua pessoa. Vira-O não com a mesma aparência com que o Divino Redentor passou pelas praias da Galileia chamando um humilde pescador para seu serviço; ou quando Ele passou ao lado de uma mesa de câmbio e chamou um cobrador de impostos para ser seu discípulo; Clóvis vira Deus, sim, mas na liturgia, percebera sua presença nos sinais que a compõem, escutara sua voz nos rituais que a embelezam e que, a seu modo, simbolizam as realidades mais altas da Fé; vislumbrara que sobre a liturgia da Igreja pousava a salutar promessa feita por Deus de permanecer bem ao lado dos homens até a consumação dos séculos (cf Mt 28,20).

Ó liturgia da Igreja! Modo divino de Deus permanecer entre os homens e com eles manter íntima relação.

Liturgia: um relacionamento de Deus com o homem, e do homem com Deus, ensinado pelo próprio Deus

Liturgia: certamente já escutamos esta palavra em algumas circunstâncias, provavelmente nos ambientes religiosos. Entretanto, talvez não tenhamos claro o significado real desse termo nem sua profundidade. Deveras, não é tão fácil dar-lhe uma explicação exata, pois se trata de uma realidade tão ampla que, ao querer defini-la de maneira precisa, são deixados de lado, facilmente, aspectos importantes. Além disso, é necessário ressaltar que, ao longo da história, essa palavra foi utilizada para referir-se a diferentes realidades, sofrendo certa evolução, segundo cada etapa histórica.

Etimologicamente, o termo “liturgia” provém do grego clássico leitour-gía (da raiz lêit, adjetivo derivado de laôs: povo, popular; e érgon: obra) e era utilizado sempre para especificar a origem ou o destino de uma ação pública, podendo ser traduzido como “obra pública”. No mundo helênico, esse termo não possuía a conotação religiosa que atualmente se lhe atribui, mas fazia referência às obras que algum cidadão de posses realizava em benefício da comunidade; depois do desaparecimento da democracia na Grécia, veio a empregar-se para significar tudo aquilo que possuía relação com o bem comum: serviço militar, agricultura, etc.

Já nas Sagradas Escrituras, propriamente no Antigo Testamento, tomando-se a Septuaginta, feita do hebraico para o grego, observa-se que a palavra litourgía começa a ser empregada para substituir as coisas que se referem ao culto de Deus, tais como o altar, o tabernáculo e o templo. Ela adquire aí um valor técnico para designar o culto feito pelos levitas a Deus, e passa, portanto, dentro da revelação bíblica, a significar a ação realizada “em nome de Deus e por Deus” em vez de “em nome do povo e pelo povo”.

No Novo Testamento, a palavra também aparece muitas vezes, aludindo, quase sempre, ao anúncio do Evangelho (cf Rm 15,16) e a outras obras de caridade cristã (cf Rm 15,27). Contudo, em seu sentido corrente, ela é empregada, sobretudo, para referir-se ao culto de Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto Sacerdote.

Esses últimos sentidos deitam luz sobre a definição de Liturgia dada pelo Concílio Vaticano II: “Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público integral.

Portanto, qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, ação sagrada por excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja” (SC 7). Podemos assim dizer que a Liturgia é um relacionar-se do homem com Deus e de Deus com o homem, ensinado pelo próprio Deus.

 

Na liturgia pode-se entrever a Trindade

Na liturgia pode-se entrever a presença de Deus, seja através da Celebração Eucarística, seja através dos ritos dos sacramentos ministrados, seja nas orações da Igreja, no cântico dos salmos, e em outras partes da liturgia. Nela, pode-se “ver” a Deus como um fiel piedoso que, de dentro de uma catedral, contempla o sol através das inúmeras facetas e cores dos vitrais, sem, entretanto, vê-lo diretamente.

Surge, então, a este propósito, mais uma questão: bem sabemos que na liturgia pode-se entrever a presença de Deus; mas haverá nela também a possibilidade de se entrever a Trindade?

 

A liturgia, uma obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo

Talvez nunca nos tenhamos perguntado sobre o papel e a atuação da Santíssima Trindade na liturgia. Para muitos, a doutrina trinitária e sua íntima relação com nossa vida é uma realidade tão abstrata, que se dissolve no pensamento, antes mesmo de explicitá-la. Entretanto, por mais alto que seja este mistério, ele fica muito acessível para nós na liturgia, pois nela é refletida toda a doutrina sobre a Trindade revelada pelo Senhor e transmitida pelos Apóstolos e seus discípulos.

Como sabemos, se Nosso Senhor Jesus Cristo não nos houvesse revelado a Trindade, seria impossível chegarmos a conhecer essa verdade somente com a inteligência. Nas Sagradas Escrituras contemplamos o relacionamento de Jesus o Pai e o Espírito Santo, como, por exemplo, quando Ele afirma aos judeus que não honrar o Filho é também não honrar o Pai (cf Jo 5,23); ou quando proclama na sinagoga que o Espírito Santo está sobre Ele (cf Lc 4,18). Também São Paulo, em suas cartas, utiliza expressões trinitárias, sem se deter em muitas explicações a respeito do assunto, o que mostra que o Apóstolo dá por conhecida a fé trinitária entre as primeiras comunidades cristãs.

Com o apoio das Letras Sagradas os grandes santos e pensadores cristãos começaram a aprofundar-se nesse mistério de nossa Fé. Assim, possuímos os documentos dos Padres da Igreja, que desde os primeiros século, nos albores do Cristianismo, faziam orações e súplicas à Trindade indivisa, tais como a oração de Clemente de Alexandria: “noite e dia, até o dia perfeito, louvemos e demos graças ao Pai e Filho, Filho e Pai, ao Filho Pedagogo e Mestre, junto como o Espírito Santo” (O Pedagogo, III, 101,2).

Essa riqueza sobre a Trindade de Pessoas em Deus, a vemos refletida nas saudações, orações, doxologias e outras partes da Missa e da vida litúrgica da Igreja.

Mais ainda, poder-se-ia dizer que a liturgia é obra da própria Trindade. É obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Nela, o Pai Eterno realiza uma ação que lhe é própria, e, de igual modo, também o Filho e o Espírito Divino. Enfim, devemos “viver a liturgia como obra da Santíssima Trindade. Nos mistérios celebrados, é o Pai que trabalha para nós; é Ele que nos fala, perdoa, escuta, dá o seu Espírito; a Ele nos dirigimos, a Ele escutamos, louvamos, invocamos. É Jesus que atua para a nossa santificação, tornando-nos participantes do seu mistério. É o Espírito Santo que age com a sua graça e faz de nós o Corpo de Cristo, a Igreja” (João Paulo II. Exortação apostólica Ecclesia in Europa, 71). Cumpre, então, analisarmos qual é nela a ação própria de cada Pessoa Divina.

 

A liturgia, uma obra do Pai

A paternidade de Deus, como tudo quanto há n’Ele, é também um inefável mistério sobre o qual muito podemos escrever, e quanto mais escrevamos, mais perceberemos que as palavras tornam-se escassas e explicam pouco. A própria paternidade humana não é suficiente para compreender a divina.

São Tomas nos ensina que é a paternidade que distingue Deus Pai, mas que esta vai muito além da paternidade das criaturas (Suma Teológica, I, q. 33, a. 2; 3.)

Em relação à liturgia, bem nos explica o Catecismo da Igreja Católica (1082) que a Carta de São Paulo aos Efésios dá uma ideia do papel do Pai na liturgia, quando afirma: “Bendito seja o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do Céu nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo” (Ef 1,3), pois bendizer é uma ação divina que dá vida, e que tem como fonte o Pai. Essa bênção é comunicada e revelada aos homens por meio da liturgia, onde o Pai é reconhecido e adorado. A liturgia é a bênção de Deus Pai e, ao mesmo tempo, um oferecimento do homem a Deus.

Na    concepção    teológica que se tem de Deus na liturgia, inspirada pela Revelação, sempre se   ao Pai o princípio e o poder criador, o governo do universo criado e o operar maravilhoso na história dos homens.  Nela, por fim, Ele é sempre apresentado como Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf 2Cor 1, 3), pois, pelo próprio fato de ser Pai, o relacionamos com a Pessoa do Filho.

Na liturgia da Igreja, o Pai é reconhecido e adorado como a Fonte e o Fim de todas as bênçãos da criação e da salvação. Compreende-se, então, a dupla dimensão da liturgia cristã, como resposta de fé e de amor às “bênçãos espirituais” com que o Pai nos gratifica. Por um lado, a Igreja bendiz o Pai através do louvor e a ação de graças.  Por outro lado, Ela não cessa de oferecer ao Pai  “a oblação dos seus próprios dons” e de Lhe implorar que envie o Espírito Santo sobre esta oblação, sobre si própria, sobre os fiéis e sobre o mundo inteiro (Cf Catecismo da Igreja Católica, 1082-1083).

 

A liturgia, uma obra do Filho

Toda graça que recebemos é dada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Por essa razão, a Igreja, ao render culto a Deus, o faz por meio de Cristo, com Cristo, e em Cristo – segundo reza a doxologia do Santo Sacrifício. Na liturgia, a santificação da Igreja e o culto a Deus se realizam sempre in Christo.

De fato, Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiro mediador entre Deus e os homens. Ademais, bem nos ensina Santo Tomás que é próprio ao mediador unir aqueles pelos quais exerce a mediação, e isso o fez Cristo, reconciliando o gênero humano com Deus, por meio de seu oferecimento como vítima perfeita e voluntária na cruz. Essa mediação foi levada a cabo por se Nosso Senhor, ao mesmo tempo, Vítima e Sacerdote; já que a função principal do sacerdote é a satisfação a Deus pelos pecados do povo. Assim o fez Cristo em sua Paixão e Morte, além de obter e entregar ao povo os dons divinos, pelos quais Ele nos alcançou a graça e a Redenção.

Ademais, Nosso Senhor Jesus Cristo é exaltado nela não só como Cabeça do Corpo Místico que é a Igreja, mas enquanto exercendo a função sacerdotal, profética e real. Na celebração da Santa Missa, por exemplo, a Pessoa do Filho, encarnado para a salvação da humanidade, é exaltada em diversos momentos. Ele é exaltado enquanto sacerdote, quando o ministro realiza no altar o Santo Sacrifício; é exaltado enquanto profeta, quando o ministro sagrado proclama a palavra de Deus; é exaltado em seu caráter real, quando o celebrante se senta no trono. A força de Cristo e seu poder são glorificados, quando o ministro reza em favor dos fiéis e quando dá os sacramentos.

Na liturgia, a presença de Nosso Senhor Jesus Cristo pode ser vista em seu aspecto divino e humano. Enquanto Deus, pois Ele está em todas as coisas pelo simples fato de existirem; enquanto homem, no sacramento da Eucaristia. São Tomás de Aquino explica essa dupla presença, humana e divina, sob outra perspectiva: em seu aspecto divino, Cristo está presente produzindo o efeito interior dos sacramentos, e em seu aspecto humano, obtendo os méritos para a eficácia dos mesmos sacramentos.

Em resumo, a missão de Nosso Senhor Jesus Cristo na liturgia é a de significar e realizar seu mistério Pascal, Morte e Ressurreição, pelo qual Ele obtém para nós a salvação e a graça da adoção filial: “A missão do Filho de Deus fica cumprida quando Ele, oferecendo-Se a Si mesmo, realiza a nossa adoção filial e torna possível a cada ser humano a participação na própria comunhão trinitária, com o dom do Espírito Santo” (João Paulo II. Carta a los sacerdotes para el Jueves Santo de 1999). Esse acontecimento real e histórico é atualizado liturgicamente, sendo, por isso, não do passado, mas permanecendo sempre no presente, na vida de cada fiel católico, onde se realiza plenamente toda a obra redentora de Nosso Senhor. “A liturgia é a garantia da presença de Cristo, realizando aquilo que ela significa” (Cf A Celebração na Igreja. In: Liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo:Loyola, 2002, p. 249).

 

A liturgia, uma obra do Espírito Santo

“Perguntas com o pão se converte em Corpo e o vinho… em Sangue de Cristo. Respondo-te: o Espírito Santo irrompe e realiza aquilo que sobrepassa toda palavra e todo pensamento […] Que te baste ouvir que é pela ação do Espírito Santo, do mesmo modo que graças à Santíssima Virgem e ao mesmo Espírito, o Senhor, por si mesmo, assumiu a carne humana” (São João Damasceno. De Fide orthodoxa, 4, 13)

São João Damasceno, nesse trecho, levanta um pouco o véu sobre a ação do Espírito Santo na liturgia, tentando explicar o mistério dessa ação na Celebração Eucarística. Nela, de fato, o Espírito Santo desce, no momento em que o sacerdote coloca as mãos sobre as oferendas, a fim de que se opere a transubstanciação das sagradas espécies.  Contudo, como essa ação se verifica realmente na totalidade da liturgia?

Para descobrimos isso, é oportuno recordar a passagem do Evangelho em que é anunciado à Virgem Santíssima o grande acontecimento esperado por gerações: a Encarnação do Filho de Deus. Antes desse acontecimento se dar, o Anjo apareceu a Maria e disse-lhe: “O Espírito Santo virá sobre Ti e o poder do Altíssimo Te cobrirá com sua sombra; por isso o Menino que irá nascer de Ti, será chamado santo, Filho de Deus” (Lc 1,35-36). Através da ação do Espírito Divino, a Virgem, Filha dileta de Deus Pai, se converte também na Esposa fiel do Espírito Santo, Mãe de Cristo e Tabernáculo puríssimo, escolhido para custodiar o Messias feito menino.

Também cumpre recordarmos que esse mesmo Espírito é o que será enviado depois de sua Ascenção, para continuar sua obra; o que nos permite concluir que o Espírito Santo não só atuou e esteve presente em toda a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas continua agindo e fazendo-se presente em seu Corpo Místico, a Igreja.

Como atua, então, na liturgia, o Espírito Divino? Nela realiza a missão que Lhe é própria, isto é, a santificação das almas. Ele o faz principalmente através dos sacramentos. Ele age sobre o ministro sagrado, dando-lhe o poder de atuar in persona Christi; Ele age também nos fiéis, dispondo-os espiritualmente para aproveitar todas as graças que quer derramar, e os une a Nosso Senhor Jesus Cristo.

E como a liturgia está composta por uma variedade de sinais que realizam o que significam, diz acertadamente São Bernardo que o Espírito Santo, que é invisível, mostra sua presença nos sinais visíveis, os quais, quanto mais espirituais sejam, mais próprios e dignos são d’Ele. Além disso, podemos ressaltar algumas ações desse Espírito nas almas, pela liturgia, com o objetivo de apartar delas o mal: Ele produz em seu interior a compunção, incita a oração e, por fim, concede o perdão.

Nos sacramentos da Igreja, o papel santificador do Espírito Santo é ressaltado também em diferentes momentos. No sacramento da Reconciliação, por exemplo, o sacerdote, impondo as mãos sobre o penitente e antes de dar-lhe a absolvição com a fórmula trinitária, implora o perdão dos pecados e a paz para alma arrependida, dizendo: “Deus, Pai de misericórdia, que, pela Morte e Ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz”, fazendo assim uma clara alusão ao mandato de Nosso Senhor aos Apóstolos reunidos no Cenáculo quando, soprando sobre eles, disse: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Jo 20,22-23). Mostra-se, assim, de uma maneira clara, a íntima relação entre o Espírito Santo, o perdão, a infusão da graça santificante ou a intensificação da sua presença na alma – como templo da Trindade – daquele que recebe do sacramento.

Por outro lado, talvez possamos encontrar o exemplo por excelência da ação do Espírito Santo, no sacramento da Confirmação. Seu profundo sentido trinitário provém de sua estreita conexão com o sacramento do Batismo, pelo que foi considerado, desde os primórdios do Cristianismo, como um rito sacramental com o objetivo de dar ao que o recebe uma especial infusão do Espírito Santo, a fim de aperfeiçoar, fortificar e como que selar a obra realizada por Deus no neófito. É daí que vem seu nome de signáculo, consignação, confirmação. É, nas palavras de São Paulo, o depositar os penhores do Espírito (cf 2Cor 1,22) nos corações. Assim, escutamos dos lábios do ministro, enquanto unge o confirmando: “RECEBE, POR ESTE SINAL, O ESPÍRITO SANTO, O DOM DE DEUS, cumprindo-se com estas palavras, para quem recebe a unção, a promessa feita por Nosso Senhor aos Apóstolos no dia de sua Ascenção aos Céus: “descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas” (At 1,8), e que se verificou para o colégio apostólico reunido em oração junto com a Virgem Santíssima, no dia de Pentecostes.

Recordam-nos as Sagradas Escrituras, na Carta aos Efésios, que, assim como por Cristo temos acesso ao Pai, o temos no Espírito Santo: “é por Ele que ambos temos acesso junto ao Pai num mesmo Espírito” (Ef 2, 18); a ação de Cristo e a ação do Espírito Santo são indubitavelmente inseparáveis. Em suma, é por essa razão que a liturgia da Igreja nos faz participantes no culto de Cristo ao Pai; é um culto no Espírito Santo, como confirma o Apóstolo São Paulo: “que a oblação dos gentios seja agradável, santificada pelo Espírito Santo” (Rm 15,16). O Espírito Santo é como a seiva que corre pela videira de Deus, para que esta produza abundantes frutos.

 

A liturgia, caminho para o céu

Assim, bem nos ensina a Escritura: “é pelo fruto que se conhece a árvore” (Mt 12,33). Voltemos então novamente a contemplar aquele vitral de que acima falávamos, perscrutemos as páginas da História que se sucederam à conversão do rei Clóvis, e veremos os gloriosos frutos de um reino. Encontrar-nos-emos, com encanto, entre sublimes palácios e majestosas catedrais, com grandes homens e, sobretudo, grandes santos, como São Gregório de Tours, São Bernardo de Claraval, São Luís IX ou Santa Joana d’Arc; todos eles, forjadores de uma civilização que, serena, mas, profundamente, irradiou-se para o mundo inteiro, e que é a Civilização Cristã.

Certamente, essa civilização é fruto do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo derramado voluntariamente no Calvário. Contudo, também o é, de alguma maneira, fruto daquele primeiro movimento de enlevo e admiração de alma do bárbaro rei franco, que, pelas orações de sua esposa Santa Clotilde e extasiado pela misteriosa sacralidade da liturgia da Igreja, alcançou misericórdia para a França.

Tomando o piedoso exemplo de Santa Clotilde, podemos pedir a ela, por intercessão de Nossa Senhora, Mãe da Igreja, que nos obtenha a graça de participar da liturgia sagrada da Igreja, sobretudo, na celebração mais importante, a Santa Missa, na qual se encontra a Trindade Santa realizando sua obra.

A liturgia é o verdadeiro maná cotidiano que a Trindade faz descer, diariamente, sobre o místico deserto de nossa alma. Recolhamo-lo com Fé, pois contém todos os sabores. E que nossa vida seja um brado de admiração para exclamar, também, como Clóvis: “Pai, já é o Céu?”. De fato, não é, mas é o caminho. A liturgia da Igreja que celebramos nesta terra é o início da liturgia celeste que celebraremos eternamente com os anjos e santos no Céu.