As estações do ano e as virtudes cardeais

No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o oceano e um vento impetuoso soprava sobre as águas. Deus disse: “Faça-se a luz”! E a luz se fez (Gn 1,1-3). Assim Deus começou a criação que durou “sete dias”. No final Deus viu tudo quanto havia feito e achou que estava muito bom (Gn 1,31).

Completada a obra da criação Deus a deixou aos cuidados do homem o governo de todas as criaturas. Deu a Adão a ciência infusa para capacitá-lo no trabalho que teria. Sem embargo do que, o próprio Deus sustentava Adão e não somente a ele, mas a todas as criaturas, como nos ensina a teologia, pois todos os seres criados são sustentados por Ele. Ensina-nos o Concílio Vaticano II, que: “A razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador” (Gaudium et spes, 19).

Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “Olhai como crescem os lírios: não fiam nem tecem (Lc 12,27)” e “quanto a vós, até mesmo os cabelos todos da cabeça estão contados (Mt 10,30)”. Dessa forma, o Redentor nos mostra como Deus sustenta no ser toda a criação, pois do contrário ela na se manteria.

Ao analisarmos as criaturas reconhecemos o quanto Deus é o princípio e fundamento de tudo e quer que pela obra criada o homem chegue ao Criador, conforme São Paulo: “O que se pode conhecer de Deus manifesto para eles, porque Deus lhes manifestou. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se pelas suas obras, visíveis à inteligência” (Rm 1, 19-20).

Para fixarmos a ideia, analisemos as estações do ano. Na rotina em que se vive hoje em dia, muitas vezes, passam despercebidas as mudanças da natureza ou só nos damos conta delas quando sentimos os seus efeitos.

Como sabemos, quatro são as estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Durante o ano o clima vai variando conforme as estações, e a natureza vai sofrendo verdadeiras transformações. Ora vemos a beleza das flores que com seu colorido nos alegra caracterizando a primavera; ora é o calor intenso, característico do verão; em outro momento vemos as folhas caírem das árvores e certa melancolia tomar conta da natureza, pois chegamos ao outono; no inverno a natureza se apresenta cauta e ausente de sentimentos.

Tomando as estações do ano podemos transcender para um patamar sobrenatural, por exemplo, se as compararmos com as Virtudes Cardeais.

Cardeal provém do latim cardo ou cardinis que significa dobradiça. Portanto “assim como as portas giram em volta dos gonzos, assim nossa vida moral deve ordenar-se, girar à volta da prática destas quatro virtudes, pois todas as outras se reduzem a esta.”[1].

            As virtudes cardeais ou virtudes morais (relativas aos costumes) também são quatro: justiça, fortaleza, temperança e prudência.

Podemos fazer um paralelo entre as estações do ano e as virtudes cardeais.

A justiça é a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus ao próximo o que lhes é devido” [2]. Olhando para a primavera podemos admirar a justiça espelhada nessa estação, pois a natureza toda está jubilosa e, por assim dizer, encontra-se em seu auge, da mesma forma que a alma quando pratica a justiça, ou seja, a santidade. O homem tem em si a plena felicidade de ter restituído a Deus todos os dons recebidos.

Agora analisemos o verão.  Nessa época do ano a natureza recebe um brilho especial, pois os raios solares são mais “generosos”. O sol “confere a sua força” à natureza que se “torna capaz” de suportar as chuvas e os ventos que periodicamente recaem nessa época. Assim é a alma que tem a virtude da fortaleza que se resume em uma virtude “que dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do bem […] nos torna capazes de vencer o medo, inclusive da morte, de suportar a provação e as perseguições”[3].

A temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados” [4]. Daí entendermos a razão de depois de tanta alegria natural surgir o outono, uma estação em que toda aquela beleza vai se “moderando” paulatinamente no cair das folhas e da temperatura.

Por fim promovemos o encontro do inverno com a prudência. Essa virtude “dispõe a razão prática a discernir, em qualquer circunstância, nosso verdadeiro bem e a escolher os meios mais adequado para realizá-lo”[5]. Para praticar bem essa virtude é preciso muita distância psíquica o que equivale a uma “frieza” de análise profunda, pois às vezes tomar decisões precipitadas ou levadas pelo ímpeto não nos dá a certeza de termos agido corretamente.


[1] J. BUJANDA S. I. – Manual de teologia dogmática – 3ª edição – Livraria Apostolado da Imprensa

[2] Catecismo da Igreja Católica, nº 1807

[3] Idem, nº 1808

[4] Idem, nº 1809

[5] Idem, nº 1806