MISSÃO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA – Parte II

Desde Leão XIII, com a Encíclica Rerum Novarum (1891), a Igreja tem se pronunciado sobre o problema social. No século XIX com o surgimento da sociedade industrial e sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade; suas novas formas de propriedade e trabalho, se desenvolveu a Doutrina Social da Igreja (DSI), pois a luz do Evangelho ilumina toda a atividade humana, como afirmou Paulo VI[1] no 80º aniversário da publicação da Encíclica Rerum Novarum: A Igreja caminha, de fato, juntamente com a humanidade e compartilha de sua sorte no seio da história. Ao anunciar aos homens, a Boa Nova do amor de Deus e da salvação em Cristo, ela ilumina também a sua atividade com a luz do Evangelho e ajuda-os, deste modo, a corresponderem aos desígnios do amor e a realizarem a plenitude das suas aspirações.

No “Compêndio da Doutrina Social da Igreja”, publicado pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, a Santa Sé apresenta uma sólida proposta diante dos problemas sociais, demonstrando como o homem não está sozinho na nobre tarefa de humanizar o mundo. “A Igreja é, na humanidade e no mundo, o sacramento do amor de Deus e, por isso mesmo, da esperança maior, que ativa e sustém todo autêntico projeto e empenho de libertação e promoção humana. É, em meio aos homens, a tenda da companhia de Deus ― ‘o tabernáculo de Deus com os homens’ (Ap 21, 3) ― de modo que o homem não se encontra só, perdido ou transtornado no seu empenho de humanizar o mundo, mas encontra amparo no amor redentor de Cristo. Ela é ministra de salvação, não em abstrato ou em sentido meramente espiritual, mas no contexto da história e do mundo em que o homem vive, onde o alcançam o amor de Deus e a vocação a corresponder ao projeto divino.” [2]

“A Doutrina Social da Igreja […] é o conjunto de ensinamentos, que o Magistério da Igreja Católica tem discutido e instado na época contemporânea sobre a chamada questão social” [3] e tem seu eixo principal na união da justiça e da caridade: “O ponto decisivo da questão social é que os bens criados por Deus para todos cheguem a todos, conforme a justiça e com a ajuda da caridade.” [4] Como afirma Bento XVI: “Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência de justiça e de caridade. […] Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessidades reais” [5].

“A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja”. [6], por isso o Catecismo da Igreja Católica demonstra como esta tem uma visão muito clara a respeito do mundo e de suas necessidades, e como sabe oferecer a solução cristã para os mais diversos problemas da humanidade, buscando sempre aquilo que é sua causa primeira e último fim, ou seja, Deus. “A Igreja emite um juízo em matéria econômica e social quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigem. Preocupa-se com o bem comum temporal dos homens em razão de sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último” [7].

Seguindo os ensinamentos do Divino Mestre – “Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,40), a Igreja, “com a experiência que tem da humanidade” [8], segundo o Beato João Paulo II[9], se vê impelida a ampliar sua missão religiosa a várias atividades desenvolvidas pelos homens e mulheres na busca da felicidade alcançável neste mundo, portanto, em conformidade com sua dignidade de pessoa, usando a doutrina social como instrumento para alcançar este objetivo.

Esta ação da Igreja, em sua essência, propõe o alcance de uma dimensão moral e tem por finalidade principal orientar o comportamento cristão no sentido de que as complexas realidades da existência humana sejam orientadas pelos ensinamentos do Evangelho: “A doutrina social da Igreja não é uma “terceira via” entre capitalismo liberalista e coletivismo marxista, nem sequer uma possível opção entre outras soluções menos radicalmente contrapostas: ela constitui por si mesma uma categoria. Não é tampouco uma ideologia, mas formulação acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da tradição eclesial. A sua finalidade principal é interpretar estas realidades, examinando a sua conformidade ou desconformidade com as linhas do ensinamento do Evangelho sobre o homem e sobre a sua vocação terrena e ao mesmo tempo transcendente; visa, pois, orientar o comportamento cristão. Ela pertence, por conseguinte, não ao domínio da ideologia, mas da teologia e especialmente da teologia moral” [10].

A Esposa de Cristo não se acomoda as coisas deste mundo, mas não é por isso que deixa de interessar-se continuamente pelo verdadeiro bem temporal dos homens. Com sua Doutrina Social, a Igreja, está presente em todos os momentos das suas vidas com o desejo ardente de ilumina-los com a luz de Cristo, unindo a todos em torno daquele que é seu único Salvador.


[1] PAULO VI. Carta apostólica Octogesima adveniens de sua Santidade o Papa Paulo VI ao Senhor Cardeal Mauricio Roy, Presidente do Conselho para os seculares e  da Comissão Pontifícia “Justiça e Paz” por ocasião do LXXX aniversário da Encíclica “Rerum novarum”. nº 1.

[2] PONTIFICIO CONSELHO JUSTIÇA EPAZ. Compêndio da DoutrinaSocial da Igreja. São Paulo: Principia, 2005. p. 32.

[3] GUTIÉRREZ GARCIA, José Luis. Introducción ala DoctrinaSocial dela Iglesia. Barcelona: Ariel, 2001. p. 33. (Tradução própria)

[4]CATECISMO DAIGREJACATÓLICA. 11a. ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 634.

[5] BENTO XVI. Carta Encíclica Caritas. nº 7

[6] Ibid., No. 2.

[7]CATECISMO DAIGREJA CATÓLICA, No. 2458, Op. Cit., p. 634.

[8] PAULO VI. Carta Encíclica Populorum Progressio. nº 13.

[9] JOÃO PAULO II. Sollicitudo rei socialis. nº 41

[10] Ibid., nº 41.