A busca da felicidade

Algo de curioso acontece com o coração do homem, pois nunca está satisfeito. Há sempre um vácuo, um abismo profundo em seu interior. Procura preenchê-lo com a glória, com o prazer, com a ciência, com a riqueza, no entanto, por mais que obtenha sucessos não se sente inteiramente satisfeito. Quer mais!

O rei Salomão alcançou o auge da glória, obteve de Deus a sabedoria, todos o procuravam, no entanto geme ao dizer: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecle 1,2).

Nada pode saciar um coração de anseios infinitos, a não ser o Infinito, que é o próprio Deus. Está é a razão pela qual nossos corações são tomados pela nostalgia e voltam tristes e abatidos quando procuram a felicidade neste mundo.

Os santos são aqueles que souberam buscar a felicidade onde ela pode ser encontrada, ou seja, em Deus. Dai afirmar São Francisco de Assis: “Meu Deus e meu tudo!”

Um pouco antes de sua morte, perguntaram a Santo Tomás de Aquino se não tinha necessidade de alguma coisa, ao que ele respondeu: “Não tenho necessidade de nada, pois logo terei tudo, gozarei o Bem supremo!”

Sob este enfoque, transmito um fato verídico que se deu no século passado e ficou consignado na pag. 102 da Revista “Jesuit Missions “(EUA) em 1944.

 

Caro leitor acompanhe atentamente a narração deste episódio e, depois, comente a impressão que este lhe causou.

 ***

 

 O militar que entregou tudo ao Senhor

 

Guilherme, rapaz protestante, incorporado ao exército canadense, foi mandado para a França na Primeira Guerra Mundial, em 1914.

Certa noite, no campo de batalha ao norte do país, o seu regimento teve de retroceder.

Guilherme caiu num poço de pouca profundidade e ali permaneceu, extenuado pela fadiga, sem sentidos e meio sepultado na lama. Um dos seus braços ficou de fora, na borda do poço.

Na escuridão da noite os soldados do seu regimente que passaram por aquele lugar, sem dele se darem conta, pisaram-no com suas pesadas botas.

Na manhã seguinte, uma patrulha de reconhecimento descobriu-o. Foi levado às pressas para o hospital de campanha, e no dia seguinte para Paris, onde os médicos constataram que tinha sofrido cinco fraturas no braço. E, o que era pior, uma gangrena mortal que avançava rapidamente.

Resolveram amputar-lhe o braço na manhã seguinte. As dores e o pensamento de que ia ficar para sempre sem um braço, impediram-no de conciliar o sono.

A irmã religiosa que o atendia com toda caridade, tinha nas mãos um livro intitulado: Milagres de Lourdes.

Vendo o livro, e tocado pela graça, imediatamente exclamou:

— É isso o que eu quero! Um milagre! Quero ir para Lourdes!

A irmã procurou tranquiliza-lo, dissuadi-lo dessa ideia, mas em vão. Cada vez mais Guilherme repetia com energia e decisão:

— Quero ir a Lourdes!

Eram duas horas da madrugada, e a enfermeira, vendo que nada conseguia, chamou a Superiora. Esta quis fazer ver ao soldado que não podia ir sem o consentimento dos médicos. Mas ele não se convenceu e não desistiu do seu intento. Queria ir de qualquer jeito.

Na manhã daquele dia, acompanhado por uma irmã religiosa, tomou o trem para Lourdes, levando 12 horas no percurso, por causa das complicações da guerra.

Logo que chegou ao Santuário foi conduzido ao Posto de Acolhimento de doentes. O médico judeu que o examinou mostrou-se muito amável, mas disse-lhe com sinceridade:

— Jovem, fizeste uma loucura em vir aqui! Tenho examinado milhares de enfermos neste Santuário. Alguns curam-se, outros não. Tens uma gangrena que se espalha rapidamente. O teu braço está fraturado em cinco partes. Não devias expor-te aos incômodos da viagem. As consequências podem ser fatais.

Estas palavras não o impressionaram. Pouco depois estava na Basílica do Rosário e assistiu a Missa com o braço atado e imobilizado. A seu lado a irmã religiosa parecia absorta na oração. Ao Guilherme pareceu ouvir ai uma voz que lhe dizia:

Que vais fazer se ficares curado?

Pensando que era a religiosa, voltou-se para ela e o perguntou-lhe:

Que queres dizer com essa pergunta?

Fique quieto. Não se fala aqui na igreja!

O rapaz ficou pensativo e interrogava-se sobre quem teria dito aquelas palavras.

De novo a voz se fez ouvir:

Que vais fazer se ficares curado?

Caiu na conta de que era alguma coisa extraordinária, e muito impressionado, respondeu:

Darei a minha vida!

Como darás a sua vida? Insistiu a mesma voz.

Serei sacerdote católico, – respondeu sem se dar conta do alcance dessa promessa.

Cessaram as vozes. Guilherme parecia tranquilo, enquanto a enfermeira rezava com tal fervor que quase nem respirava.

À tarde, na hora de costume, a sua maca está no meio de outras, com doentes que esperam a cura.

Um Bispo leva o Santíssimo Sacramento numa rica custódia e vai dando a benção a cada um.

Os alto-falantes do Santuário atroam:

Senhor, aquele a quem amais está doente. Senhor, se quiserdes, podeis curar-me!

Quando chega a sua vez, o nosso soldado sentiu qualquer coisa a atravessar-lhe o corpo. Olha para a mão e mexe-a sem dificuldade. Levanta o braço ao ar e o faz normalmente. Então, ergue-se da maca, agita o braço e lança um grito:

Estou curado!  Estou curado!

Guilherme, o soldado protestante do Canadá, encontra-se são. No Posto de Acolhimento de doentes os médicos declararam que as cinco fraturas estavam soldadas, a gangrena desaparecera e a carne, há poucos dias tão pisoteada e já meio apodrecida, apresentava-se agora branca e sã.

Cheio de alegria, o miraculado retoma o posto no seu Regimento, lutando com valentia até o fim da guerra, desta vez sem receber a menor ferida.

Em 1918 veio a paz e Guilherme regressou à sua pátria, o Canadá.

Um pouco esquecido da sua promessa, estudou a Religião Católica, recebeu o Batismo, casou-se, e teve um casal de filhos que também foram batizados.

Alguns anos depois morreu a sua esposa. Reavivando-lhe na alma a promessa feita em Lourdes, julgou que se aproximava o momento de cumpri-la, fazendo-se sacerdote. Só assim a sua consciência ficaria tranquilizada.

Quando viu assegurada a educação cristã dos seus dois filhos, apresentou-se no Noviciado dos Padres Jesuítas. Cumpriu as provas prescritas, fez os estudos e por fim, recebeu o sacerdócio.

A mão restituída à vida passou a sustentar e a distribuir o Corpo e Sangue d’Aquele que por meio de sua Mãe o tinha curado.

Em 1939 estoura a segunda Guerra Mundial. Um dos primeiros capelães que se ofereceram como voluntários para acompanhar os exércitos é esse antigo soldado canadense. Agora não vem mais para matar corpos, mas para salvar as almas.

Presta os ensinamentos e os consolos da religião a todos que caem ao alcance de seus braços e de suas palavras, com solicitude incansável.

Um jovem aviador da Real Força Aérea do Canadá foi atingido em pleno voo naquela zona de guerra. Conduzido ao capelão, já com iminente perigo de vida, tinha o corpo esfacelado e a fisionomia banhada em sangue.

O sacerdote dispôs-se a prestar-lhe os auxílios religiosos, os últimos sacramentos. E quando descobrem o rosto ensanguentado desse piloto aviador, o Padre Guilherme reconhece o seu próprio filho! Momento de intensa emoção para ambos.

Não houve então nenhum milagre visível, mas os Anjos contemplaram esse prodígio: um pai que outrora tinha dado a vida corporal ao filho, agora como sacerdote de Jesus Cristo abre as portas da vida eterna a esse mesmo filho, soldado moribundo. O jovem aviador morreu-lhe nos braços.

O Padre Guilherme deu ao Senhor a esposa e o filho. Pouco depois teve também o privilégio de dar a sua filha ao Senhor, quando ela entrou no Convento. Foi ele mesmo que recebeu os seus votos religiosos, a abençoou e celebrou a Missa dessa impressionante cerimônia. A noviça recebeu a Sagrada Comunhão de suas mãos.

Depois voltou para o seu posto de Capelão Militar, no qual ainda continuava em 1944, esperando o momento de também ele entregar a sua vida ao Senhor.

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 Em meio a tantas provas, sem dúvida, podemos afirmar que o Padre Guilherme foi um homem feliz, pois soube dar tudo ao Senhor, para depois receber ao próprio Senhor como recompensa demasiadamente grande (cf. Gn 15,1).