De autor desconhecido?

Ao admirarmos qualquer obra digna de apreciação, logo nos surge uma pergunta, quase que instintiva: “Quem é o autor?”

O desejo de conhecer o autor de uma obra indica uma tendência natural de se prestar uma homenagem a quem soube idealizá-la.

Entretanto, existem inúmeras obras de arte das quais, infelizmente, não se conhece a autoria, quer seja por humildade do artista ou porque as próprias circunstâncias impediram que o nome do autor fosse conhecido pelos séculos futuros. Nestes casos, para quem é dirigida a glória pela existência das obras?

Para responder essa indagação, apelo à lembrança de uma bela história que, além de ter o mérito de ser antiga, não perde o bom cunho de ser verdadeira.

Por volta do século XIII, o grande Rei São Luís IX de França almejava construir uma magnífica igreja para acolher inúmeras relíquias entre as quais uma especialmente preciosa: um espinho da coroa utilizada para fazer sofrer o Divino Salvador.

Com este objetivo numerosos arquitetos começaram a trabalhar a fim de apresentar ao rei suas ideias para a futura igreja.

Após algum tempo, dois seguiram em direção a Paris. Na viagem se encontraram em uma hospedagem, então ambos resolveram que antes de mostrar à sua majestade os projetos dariam a conhecer um ao outro os respectivos trabalhos. O primeiro ao abrir seus pergaminhos arrancou um brado de admiração do outro companheiro pela magnificência de sua obra.

Mas o pai das trevas que, segundo São Pedro, nos ronda como um leão a rugir, procurando a quem devorar (1Pd 5,8-9) inspirou-lhe logo sentimentos de comparação e de inveja. Dessa forma, o segundo homem, levado pelas más sugestões do inimigo, matou seu companheiro de ofício e destruiu sua obra. Em seguida seguiu seu curso, indo a Paris.

Chegando à cidade dirigiu-se ao palácio real, mas uma força estranha o impedia de atravessar os umbrais. Acometido por um enorme sentimento de culpa passou a vagar pelas ruas de Paris entregue aos piores vícios.

Em uma noite, após sentir-se mais frustrado do que nunca, percebeu aproximar-se um dominicano de nome Tomás de Aquino que, com muita amabilidade o consolou. Tocado pela graça, o nosso pobre arquiteto deixa-se levar pela sabedoria e bondade daquele homem de Deus, confessa-se e, a fim de reparar sua miserável vida, decide entrar para a vida religiosa mudando completamente sua conduta.

Passados muitos anos, um jovem confeiteiro de nome Pierre, sabendo das habilidades artísticas do monge pediu-lhe que lhe instruísse nas artes. Após algumas lições o monge percebendo as boas intenções do jovem Pierre, pediu a seu confessor que lhe permitisse entregar os antigos projetos da capela ao jovem que, ao ver tão grandiosa obra, se toma de entusiasmo e apressa-se a mostra-la ao Rei.

O monarca encanta-se com o projeto e, ao indagar ao jovem confeiteiro se ele próprio havia feito tão bela obra, recebeu a resposta negativa e também a explicação de que o verdadeiro autor preferia permanecer no anonimato. O Rei encantado pela magnificência da obra e pela humildade de seu autor aceita prontamente o plano daquela que seria a mundialmente conhecida Saint Chapelle.

Dessa forma o convertido arquiteto entregava seus méritos àquele que é o verdadeiro Autor de todos os dons e inspirações: Deus.