A Igreja e sua influência sobre a Sociedade Temporal: Parte III
Da Populorum Progressio a Caritas in Veritate
No transcurso da história, a Igreja, servindo-se da Palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras e de uma atenta análise do transcurso do tempo, preocupou com o pleno “desenvolvimento dos povos” [1]. A Igreja: “Fundada para estabelecer já neste mundo o reino do céu e não para conquistar um poder terrestre, afirma claramente que os dois domínios são distintos, como são soberanos os dois poderes, eclesiástico e civil, cada um na sua ordem. Porém, vivendo na história, deve estar atenta aos sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho. Comungando nas melhores aspirações dos homens e sofrendo de os ver insatisfeitos, deseja ajudá-los a alcançar o pleno desenvolvimento e, por isso, propõe-lhes o que possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade” [2].
Atento aos sinais dos tempos, Paulo VI publicou a encíclica Populorum Progressio (1967) “pouco depois da conclusão do Concílio Ecumênico Vaticano II”[3] (1965). Uma “mensagem de caridade e de verdade” [4], na qual lança um “solene apelo para uma ação consertada em favor do desenvolvimento integral dos povos” [5]. Vinte anos depois, o Beato João Paulo II destaca a fecunda relação desta encíclica com a constituição pastoral Gaudium et Spes, na Sollicitudo rei socialis. Por sua vez, passados pouco mais de quarenta anos, Bento XVI recorda “a importância do Concílio Vaticano II para a Encíclica de Paulo VI e para todo o magistério social dos Sumos Pontífices que lhe sucederam” [6], na encíclica Caritas in veritate.
Correntes ideológicas do século XIX trouxeram uma dimensão marcadamente materialista e antirreligiosa. Segundo o iluminismo: “O homemse converte emseuprópriosalvador, capazde resolverseusprópriosproblemas, e deixade ternecessidadede umDeustranscendentee pessoal” [7].
Conforme Bento XVI[8], podemos dizer que a Populorum Progressio foi um fruto que brotou do magistério de Paulo VI, abrindo o caminho para uma nova visão cristã do desenvolvimento dos povos, quando anuncia, celebra e atua na caridade e também este desenvolvimento diz respeito, de modo unitário, a totalidade da pessoa em todas as suas dimensões. Deste fato, se compreende que a Igreja Católica, no todo, busca a proposição e a realização do desenvolvimento integral do homem. Sendo assim, “tal desenvolvimento requer uma visão transcendente da pessoa, tem necessidade de Deus: sem Ele, o desenvolvimento é negado ou acaba confiado unicamente às mãos do homem, que cai na presunção da auto-salvação e acaba por fomentar um desenvolvimento desumanizado” [9], que trás más consequências, pois fecha o homem dentro da história, reduzindo-o unicamente a viver para ter.
“Como toda a criação está ordenada em relação ao Criador, a criatura espiritual é obrigada a orientar espontaneamente a sua vida para Deus, verdade primeira e soberano bem” [10]. Conforme Corrêa de Oliveira: “Consiste o verdadeiro progresso no reto aproveitamento das forças da natureza, segundo a Lei de Deus e a serviço do homem” [11]. Não obstante, “nem é o progresso material de um povo o elemento capital do progresso cristãmente entendido. Consiste este, sobretudo, no pleno desenvolvimento de todas as suas potências de alma, e na ascensão dos homens rumo à perfeição moral” [12]. Como afirma Bento XVI[13], esta perfeição, por sua vez, conduz a criatura ao Criador. Procurando o contato com Deus, o homem conseguirá ver no próximo a imagem divina e passará a tratá-lo em função desta visão e não somente como outro homem.
O coração da Populorum progressio, segundo Bento XVI[14], é a visão do desenvolvimento visto como vocação, não havendo verdadeiro humanismo senão aquele aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que expressa a ideia exata do que é a vida humana. Paulo VI[15] afirma que, nos desígnios de Deus, o desenvolvimento é uma vocação. Todos os homens recebem, em germe, desde o nascimento, um conjunto de qualidades e dons para fazê-los render. Recebem, também, a inteligência e a liberdade, sendo cada qual responsável tanto por ser crescimento como por sua salvação, permanecendo o autor principal de seu êxito ou de seu fracasso.
“Na concorrência entre as várias concepções do homem, presentes na sociedade atual ainda mais intensamente do que na de Paulo VI, a visão cristã tem a peculiaridade de afirmar e justificar o valor incondicional da pessoa humana e o sentido do seu crescimento” [16]. Afirmava Paulo VI: “O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira” [17]. E continua: “Não se trata apenas de vencer a fome, nem tampouco de afastar a pobreza. O combate contra a miséria, embora urgente e necessário, não é suficiente. Trata-se de construir um mundo em que todos os homens, sem exceção de raça, religião ou nacionalidade, possam viver uma vida plenamente humana, livre de servidões que lhe vêm dos homens e de uma natureza mal domada; um mundo em que a liberdade não seja uma palavra vã e em que o pobre Lázaro possa sentar-se à mesa do rico (Cf. Lc 16, 19-31)”[18].
Segundo Williams[19] o progresso terreno não esgota a condição humana. Independente de qualquer progresso ou retrocesso da sociedade humana, nossa existência terrena chegará a seu fim. Nossa meta é a vida eterna em Cristo, portanto o verdadeiro progresso deve ter em conta a dimensão espiritual do homem e a vocação transcendente como filho de Deus destinado ao céu.
Neste contexto, Bento XVI conclui que a mensagem central da Populorum progressio, que é válido hoje e sempre, demonstra que: “Precisamente porque Deus pronuncia o maior ‘sim’ ao homem, este não pode deixar de se abrir à vocação divina para realizar o próprio desenvolvimento. A verdade do desenvolvimento consiste na sua integralidade: se não é desenvolvimento do homem todo e de todo o homem, não é verdadeiro desenvolvimento” [20].
Somente a verdadeira caridade poderá conduzir a humanidade a um verdadeiro progresso. Convocando todos os povos a elevar ao Onipotente uma fervorosa oração para que “O amigo da paz” [21] derrame a luz e a graça nos corações dos homens. Continua Paulo VI: “Dêem-se as mãos fraternalmente, as pessoas, os grupos sociais e as nações, o forte ajudando o fraco a crescer, oferecendo-lhe toda a sua competência, entusiasmo e amor desinteressado. Mais do que qualquer outro, aquele que está animado de verdadeira caridade é engenhoso em descobrir as causas da miséria, encontrar os meios de a combater e vencê-la resolutamente” [22].
A Populorum progressio é um apelo para que cada um, individual e coletivamente, compreenda seu papel no progresso humano, buscando fazer sua parte para trazer o Reino de Cristo à sociedade humana.
“Se o papel da hierarquia consiste em ensinar e interpretar autenticamente os princípios morais que se hão de seguir neste domínio, pertence aos leigos, pelas suas livres iniciativas e sem esperar passivamente ordens e diretrizes, imbuir de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da sua comunidade de vida” [23].
[1] PAULO VI, CartaEncíclica Populorum Progressio. No. 1.
[2] Ibid., Cap. II. No. 13
[3] BENTO XVI, CartaEncíclica Caritas in veritate. No.11.
[4] Ibid. No. 10.
[5] JOÃO PAULO II.Mensagem deSuaSantidade João Paulo IIparacelebração doDia Mundial daPaz.
[6] BENTO XVI, Carta encíclica Caritas in veritate. No.11.
[7] WILLIAMS, Thomas D. O sentido cristão do progresso: Entrevista com o padre Thomas D. Williams. [Em linha]. Em: Zenit. Roma. (11 Mar., 2007). <Disponible en: http://www.zenit.org/article-14359?l=portuguese> [Consulta: 22 Dez., 2009].
[8] BENTO XVI.Carta encíclica caritas in veritate. No.11.
[9] Ibid.No. 11.
[10] PAULO VI, Carta encíclica populorum progressio. No.16.
[11] CORRÊA DEOLIVEIRA, Plínio.Revolução e contra revolução. 5a. ed. San Pablo: Retornarei, 1993. p. 103.
[12] Ibid., p. 103. (Traducción propia).
[13] BENTO XVI,Carta encíclica caritas in veritate. No. 18.
[14] Ibid.No. 16.
[15] PAULO V, Carta encíclica populorum progressio. No.15.
[16] BENTO XVI, Carta encíclica caritas in veritate. No.18.
[17] PAULO VI, Carta encíclica populorum progressio. No.14.
[18] Ibid. No. 47.
[19] Williams. Op. Cit.
[20] BENTO XVI.Carta encíclica caritas in veritate. No. 18.
[21] PAULO VI, Carta encíclica populorum progressio. No. 75.
[22] Ibid. No. 75.
[23] Ibid. No. 81.
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