O Bispo e o chá

Tradição… essa palavra sempre me deixou um tanto intrigado. Como algo do passado, um costume, um modo de ser tem o direito de influenciar o presente?

– “Excuse me Sir, now is the five o’clock”

– E o que tenho a ver com isso? Pode ser cinco, oito ou dez, o que quero é ser atendido. Pensei, mas não falei.

– É que às cinco da tarde todos suspendemos por alguns instantes nossas atividades, inclusive o atendimento, para tomarmos o “chá das cinco” (five o’clock tea).

Enfim, não fiquei bravo, apenas intrigado. Além do mais estava de férias, no interior da Inglaterra, gozando de alguns poucos momentos de repouso que costumo ter, e não queria estragar meu descanso, brigando com um inglês.

Observei que, em todo o comércio da pequena cidade, as pessoas paravam, deixavam de lado seus afazeres, desde os corriqueiros até os de maior relevância, para viverem os poucos instantes de prazer que uma xícara de chá pode proporcionar.

Afinal, atendido, depois de quinze minutos de espera e curiosa observação, dirigi-me ao hotel em que estava hospedado.

Lá chegando fui satisfazer minha curiosidade. Liguei meu laptop, acessei a internet e pesquisei no google: “five o’clock tea”. O resultado de minha busca fez-me entender o costume, aliás, secular, rijamente seguido pelos ingleses de tomar o “chá das cinco”.

O ocorrido, simples, mas cheio de significado, tomou meu pensamento pela tarde afora.

Terminaram as férias, e a viagem de retorno fez-se necessária.

Agora, transcorridos alguns anos do episódio acima narrado, travo contato com uma notícia que dele me fez recordar: Bispo inglês recomenda rezar no local de trabalho.

Dom Kieran Conry, Bispo de Arundel e Brighton, Presidente do Comitê para a Evangelização da Igreja na Inglaterra e País de Gales, fez uma recomendação com o objetivo de preparar seus diocesanos para a celebração do Ano da Fé: rezar publicamente no trabalho, na primeira sexta-feira de cada mês.

Até aqui nada que nos relembre o five o’clock tea… continuemos a leitura:

Para isso, Dom Conry sugere programar o despertador dos telefones celulares para tocar às três horas da tarde…

Que interessante! O prelado convocou os fiéis a uma nova prática de piedade, a suspenderem suas atividades por alguns instantes. Podemos ter a liberdade de, fazendo alusão ao nosso já conhecido “chá das cinco”, chamar este momento de oração como: three o’clock prayer (oração das três).

Continuando a leitura da nota, um detalhe apareceu:

A sugestão não constitui novidade, pois, afirma Dom Conry, o costume de rezar na hora em que Nosso Senhor expirou na Cruz, faz parte de uma tradição que na Inglaterra remonta ao século XVII.

Five o’clock tea… thre o’clock prayer… século XVII… essas palavras fizeram-me lembrar a palavra colocada em questão no início deste artigo.

E, a partir de então, entendi melhor seu papel na vida humana. Passei a dar mais valor a ela.

Tradição: este elo entre o passado – não qualquer passado, mas as coisas boas do passado – e o presente, com vistas ao futuro… interessante!!!